Atenção à pintura!…

 

Publicado no Diário de Coimbra de 5 de Julho de 1997

Conheci há dias uma pessoa jovem, bem colocada numa insti­tuição financeira, com a qual tra­tei dum assunto de interesse artístico-promocional. Pessoa interes­sada e com viagens na memória, devia pertencer à minoria daque­les que podem entender a mensa­gem geral das artes, e da pintura em particular. Chegados à con­versa sobre esse assunto, grave foi o meu desapontamento. Que não, que a pintura sempre lhe tinha passado ao longe, e que toda a experiência cultural de que dispõe não passa por ali, onde se regala o espírito dos pintores.

A confissão dessa inexperiên­cia não me foi atirada com indi­ferença nem com arrogância, antes com um certo envergonha­do desgosto. De tal modo assim, que não deixou de me dizer que já vira com certo encantamento, em Inglaterra, grupos de jovens serem levados à presença da arte e – de diversas maneiras – serem familiarizadas com a prática e o objecto artístico. Desde a discus­são sensibilizada de uma obra até ao mexer nas tintas, tantos são os ensejos para a educação sensível e civilizada das pessoas!…

Uma formação académica (ou sem ser académica…) que ignora as artes, vulnerabiliza o sujeito de forma lamentável. Se o mesmo, por sua própria iniciati­va, não consegue preencher essa lacuna, estaremos perante alguém menos capaz de experimentar um dos mais fecundos prazeres da vida, incapaz – além disso – de se posicionar perante outras face­tas do conhecimento e da expe­riência.

O mundo, como coisa entendível e decifrável, exige as valências que só a sensibilidade artística e a consciência visual podem dar.

A pólvora visual

Os telejornais; os jornais; as revistas; a publicidade; os signos gráficos; as imagens de marca; o “look”; as estratégias da imagem; ah, o “márquetingue’!…

A nossa imagem do mundo e a imagem que nós temos de nós próprios. E o cinema, o teatro, toda a cultura, toda  a experiência da vida repassadas pela. subjectividade impressionante da cor e a expressão viva da figuração, a abarrotar de associações de ideias de automatismos conscientes e inconscientes.

Sem uma capacidade ginasticada de apreciação crítica das imagens no estado densificado que a arte propõe, como poderá sobreviver um cidadão de hoje, sob a pressão esmagadora e prati­camente instantânea das mensa­gens codificadas, sintetizadas, tomadas complexas por especialistas, técnicos e outros sábios manipuladores?

As fábricas de opinião, os pro­dutores de comportamentos, são uma das principais fontes de poder do mundo de hoje. Aos pais, aos professores, aos artistas, a todos os cidadãos responsáveis e conscientes, de aqui se grita:

-Atenção à pintura!…

– Atenção à pintura, atenção às artes em geral!…

Os cegos mais inteligentes (aqueles que o são por imposição da natureza) procuram “ver” o mundo com imenso esforço do espírito sem disporem do privilé­gio que nas outras        é gra­tuitamente simples; a percepção inteligente duma cor, dum traço, ou dum sím­bolo complexo, duma superfície que se anima de profundidade e de sentidos estranhos. Todo o emaranhado dos sinais misterio­sos e   encantadores. Falar nisso, pensar nisso, e depois viver…

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