Publicado no Diário de Coimbra de 15 de Outubro de 1997
Imaginemos dois nossos conterrâneos, um a caminho de Lisboa no seu jipe em plena auto-estrada, e o outro preparando-se para estacionar o seu carro de matrícula K no já pletórico parque de estacionamento do hipermercado citadino (confortavelmente situado bem dentro da malha urbana da cidade) ambos falando por telemóvel…
O cenário assim congeminado não é de modo algum impossível ou fantasista. Ao iniciar esta “conversa” sobre a “Arte Pop” ocorreu-me que, em meados dos anos 50 (quando esta deu os seus primeiros passos nos EUA e Inglaterra) para depois se transformar numa das faces caracterizantes dos anos 60, mal se sabia ainda em Portugal o que era uma auto-estrada, o consumismo tinha um aspecto francamente larvar e quanto aos “mass-media” tinham mais em que pensar do que nas elaboradas campanhas publicitárias que agora desabam sobre nós, talvez como na América nessas décadas de fascínios diversos e contradições sem conta, que a história guarda já em seu regaço.
Escolho portanto o quadro psicológico acima descrito (a situação jipe/auto-estrada, hipermercado, estacionamento e telemóvel) como paralelos adequados do consumo massificado, da publicidade e dos media, por serem estes (entre muitos outros, claro) alguns dos termos explicitantes do movimento Pop. E coloco, aqui e agora, dois interlocutores em tudo semelhantes a mim e ao próprio leitor, dado que me parece perfeitamente adequado estabelecer com o a “Pop Art” e a nossa actualidade socio-económica e cultural os relacionamentos que forem possíveis, quer por semelhança, quer por contraste.
Das vantagens da abrangência
Muitos dos intelectuais portugueses que foram assistindo desde início ao desenvolvimento do fenómeno artístico actualmente em exposição no Centro Cultural de Belém (“Pop 60’s – Travessia Transatlântica”), dão certamente como adquiridos e assimilados todos os comprimentos de onda do movimento, estudaram as suas incidências estético-ideológicas, e usufruiram do produto das suas inumeráveis visões, tão cheias de frontalidade e expressão.
Ocorre-me entretanto perguntar: será que os conceitos de arte maioritariamente vigentes entre nós já teriam assimilado para o domínio da expressão artística, como o fizeram os anos 60 na América e na Inglaterra, as aquisições da sociedade hodierna, na sua vertente reflexiva e actualizada dos fenómenos mágico-consumistas, tecnológico-poluentes e irónicamente críticos?
Não vou levar demasiadamente longe este meu questionamento, tão impertinente como outros que tenho trazido a estas páginas. Proponho entretanto (e já é a segunda de tais sugestões aqui feitas…) que os mestrandos de sociologia se debrucem sobre esta questão pelo seu interesse e pela respectiva (e respeitável) largueza de mangas…
Lembro apenas que ali, no Centro Cultural de Belém, se encontram muitas peças expostas (as notícias falam de 250…) oriundas de grandes colecções e de notáveis museus (entre eles da ampla reserva do Sintra Museu), que muito dificilmente seriam aceites por muita gente como abordagem possível do fenómeno artístico. Já não digo evidentemente, como eventuais aquisições dado que, decididamente, não iriam com a mobília lá de casa…
Referem alguns críticos da especialidade uma eventual excessiva abrangência da exposição, no que diz respeito ao número e diversidade de artistas ali representados. Ao que parece, tal abrangência não foi tão longe que tenha privilegiado uma mais ampla representação portuguesa, mesmo daqueles que já estão presentes no Sintra Museu de Arte Moderna (no sector da Pop Art aliás…). Tal abrangência não constituiu inconveniente do meu ponto de vista, dado que veio demonstrar a projecção que o movimento tem no imaginário artístico dos anos 60, dando ocasião a que possam rever-se alguns artistas tão interessantes como os europeus Richard Lindner, Konrad Klapheck e Valerio Adami, entre outros, considerados como figuras “menos centrais” do fenómeno. Cito estes apenas de memória, dado que uma primeira visita não me encorajou a comprar o catálogo (sete mil…) cuja qualidade gráfica e número de reproduções me pareceu interessante, por contraste com o conteúdo textual, bastante menos informativo que o do catálogo do Sintra Museu (oito mil e quinhentos…).
Roy Lichtenstein, aviões de reacção e raparigas de maillot
Já em pleno decurso desta exposição faleceu o artista novaiorquino Roy Lichtenstein, produtor duma obra especialmente significativa no âmbito da “pop”. Entre muitas outras fontes de inspiração (é dado como um dos expoentes de erudição no seio do movimento) recorreu também à banda desenhada, fenómeno intergeracional de ampla repercussão a demonstrar que – também neste caso – foi na abertura de fronteiras temáticas e no rasgar de horizontes de interesse plástico que radicou o potencial da Arte Pop. Se pensarmos que o movimento teve a sua origem em meados dos anos 50, por oposição a um outro então em fase de triunfo internacional (e que era nem mais nem menos que o expressionismo abstracto) ficamos a fazer uma ideia da eminência de alguns dos mais quentes debates que vão agitando a quieta melancolia e desactualidade do nosso meio artístico.
Nesta conformidade, e se o nosso conterrâneo que velozmente rola na auto-estrada (e a esta hora já deve estar a chegar a Lisboa…) tiver a ideia de ir de visita ao CCB, talvez seja uma ideia fazer-lhe uma telefonadela para lhe lembrar de ir dar primeiramente uma saltada a Sintra.
No Museu acima referido, e cuja colecção se encontra patente ao público de forma interessantemente pedagógica, vai poder dar-se conta daquilo que veio antes e do que está depois da tão falada (mas pouco bem conhecida…) Arte Pop, o que será uma óptima sugestão para qualquer outra pessoa que queira eventualmente visitar a exposição que é tema central desta “conversa de pintor”.