António Olaio expõe na Galeria OM

 

Publicado no Diário de Coimbra de 29 de Janeiro de 1998

A abertura de uma nova galeria expressa­mente vocacionada para realizações de quali­dade no domínio da arte moderna será sem dúvida um acontecimento de importância no panorama artístico e cultural desta cidade. Refiro-me à declaração de princípios da direc­tora da Galeria OM, que se situa junto ao C. C. Girassolum, na Rua Feliciano de Castilho, feita através dos ecrãs da delegação regional da RTP, nos seu programas do fim de tarde, que tão auspiciosamente vêm abrir a realidade local ao noticiário televisivo.

O espaço da galeria, que todos com cer­teza desejariam um pouco maior para o desenvolvimento natural que este tipo de realizações solicita, iniciou actividades com a presença de trabalhos da artista Catarina Baleiras, que veio sinalizar de forma explí­cita o desejo de avançar na senda de pro­postas invulgares, mas de indesmentível esmero estético.

O acontecimento seguinte, que se encontra patente ao público até ao fim do mês de Fevereiro é constituído por uma exposição individual de António Olaio, artista nascido longe, mas de vivência coimbrã até ter ido para o Porto, onde se licenciou em pintura pela ESBAP.

Arte a partir da arte

O pintor, que iniciou a sua acção notavel­mente cedo, em exposições de adolescência nesta mesma cidade, veio a interessar-se logo de imediato pela convivência artística na área do movimento da arte conceptual, ao qual veio a dedicar uma apreciável dose de activi­dade, tendo protagonizado acontecimentos dessa forma de intervenção em Portugal e no estrangeiro.

Radicado em Coimbra de há alguns anos, exerce a sua profissão como assistente de Desenho no curso de Arquitectura da FCTUC, permanecendo aberto a uma varieda-

de notável de interesses artísticos, dentre os quais a música assume particular relevo.

Esclarece, aliás, que esta actividade – que leva a cabo de forma bastante significativa como compositor, cantor e letrista – é parte integrante e desdobramento natural da sua condição de “performer” e de pintor, catego­rias que assume sob a designação de “técnico de estímulos”, expressão que usa com convic­ção muito especial ao procurar explicitar o conceito que tem de si mesmo como artista.

Ciente de que as pessoas sabem geralmente muito mais do que conseguem exprimir, pro­cura atingir através da música a concretização de um acréscimo de comunicabilidade, a cria­ção de um universo estético onde se desenvol­vam estímulos e situações interessantes atra­vés de meios diversificados. Produzir, como gosta de dizer, “arte a partir da arte”.

O nome é mais uma cor

A exposição actualmente presente na gale­ria OM é constituída por um conjunto de desenhos e por três quadros a óleo, resultantes duma série de seis que foram apresentados pelo autor na Bienal de Vila Nova de Famalicão, e que têm como tema e ponto de partida a Casa de Camilo em São Miguel de Seide.

As três pinturas são captações feitas por A.O. nessa mesma casa, e estão concebidas como se se tratasse de fotografias antigas, ou imobilizações de uma passagem de imagens televisivas ou fílmicas a preto e branco. Sobre as imagens assim apresentadas inscre­ve-se uma frase: “and this is the drawer where he kept his gun”, alusão à arma com que se feriu Camilo, e que paira sobre a casa como uma ideia obsessiva ou como um fan­tasma.

A inserção da frase funciona de forma plu­ral, quer nas suas implicações de índole visual, quer nas que seja possível adivinhar através das suas ressonâncias literárias ou até linguísticas. António Olaio, estudioso interes­sado na obra de Marcel Duchamp, cita esse autor mais uma vez a propósito dos títulos com que tem assinalado bom número de tra­balhos seus, afirmando que “o nome é mais uma cor presente no quadro”, na coexistência dos diferentes sentidos que ao mesmo são atri­buíveis.

Arte como forma de inteligência

Há uma ideia que me parece de capital importância no entendimento do conceito que anima o artista a respeito da montagem/orga­nização das suas exposições em geral.

Estas são concebidas como “encenações” em torno dos títulos que lhes conferem ori­gem temática, constituindo-se como ideias-força na explicitação do intuito que mobiliza o artista em relação a cada situação criada.

Os quadros deixam, portanto, de ser teste­munhos diferenciados de momentos avulso do pensamento do pintor, para se constituírem como “exposição total”, ou “instalação” de propósito coerente, arte como forma de comu­nicação, “arte como forma de inteligência”, aí onde de novo se nos torna presente a citação de Duchamp.

Referindo as restantes peças que preen­chem a exposição (ou seja, o conjunto de desenhos sobre papel branco de pequenas dimensões) será oportuno dizer-se que consti­tuem contraponto destinado a não interferir com a complexidade narrativa das telas com que se defrontam (no sentido físico da sua arrumação na sala da galeria), desenhos em que o artista se aproxima do objecto de ador­no simples que o senso comum recomenda, na plasticidade pura de um simples traço coleante que se transfigura em caule, e se expande em ramificações singelas, inflorescências de imponderabiíidade assegurada pela fragilidade estrutural que a execução espontâ­nea a pincel sobre fundo branco lhes confere.

Flores como gestos de homenagem ou tri­butos de admiração e lembrança, sem preocu­pações naturalistas, pretexto para atingir algum conforto visual atenuador da carga mais dramática dos quadros fronteiros, teste­munhas inquietas do drama camiliano numa casa invadida pelo espectro duma pistola car­regada.

Casa do escritor, lugar geométrico de tanta memória da literatura, com tão ampla resso­nância colectiva, agora entregue à curiosidade vária dos visitantes de extracção turístico-cultural, num mundo que massifica os estímulos sem os calibrar, sem os reflectir e sem os tem­perar com sensibilidade, como ali nos foi dado entender através do discurso serenamen­te fluente e culturalmente enriquecido do pin­tor António Olaio.

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