Serralves e Vila Nova de Cerveira

Publicado Diário de Coimbra 27 de Agosto de 1999

A cidade de Coimbra, em Agosto, parece cansada de ciência e a maioria da comunidade cultural substitui a árdua consolidação dos seus curricula por uma ausência purificante.

Pergunto a mim próprio qual é a verdadeira Coimbra. Se esta que se espreguiça algures, ao sol reparador dos ares de Agosto, ou a outra, aquela que afadigadamente se movimenta ao longo do descontínuo calendário dos compromissos académicos.

O leitor, que conhece a cidade muito melhor do que eu, que faça o seu próprio juízo, respondendo-me quem saiba se é justificado e compreensível este pesado e adormecido silêncio de Verão que se repete, pontualmente, todos os anos.

É curioso notar que, exactamente neste período do ano, surgem por aqui e por ali, de Norte a Sul do País, uma vaga enorme de acontecimentos de grande significado cultural e artístico. E não só em Lisboa ou no Porto.

Gerhard Gutruf na Sala da Cidade

Refrescando Agosto encontra-se em Coimbra a exposição de Gerhard Gutruf, promovida pela Embaixada da Áustria conforme consta na Agenda Turística, presente até dia 20 na Sala da Cidade – Refeitório de Santa Cruz.

É o valioso testemunho dum labor generoso do ponto de vista pedagógico, que abre simultaneamente para os domínios da pintura e da gravura. A realização merecia elementos de acompanhamento e informação de melhor qualidade, e penso que o ideal seria mesmo uma conferência a realizar pelo autor que, segundo parece, chegou a estar na cidade para montagem da sua exposição.

Visita ao Museu de Serralves

A cidade do Porto continua a aquecer os músculos para o enorme e milionário acontecimento de 2001, Capital Europeia da Cultura. E mostra serviço, não tenhamos dúvidas. Coimbra, se quizer aproveitar e ganhar balanço, não perde nada em estar muitíssimo atenta a este labor organizativo.

Serralves é muita coisa. Tanta coisa que não cabe no discurso resumido nesta crónica.

Primeiro, o conjunto e o seu significado histórico, a forma como surgiu e o modo como está ali agora, à disposição de toda a gente.

O edifício inicial, os jardins, a fundação e as suas colecções, as suas iniciativas e projectos.

O Museu de Arte Contemporânea, a obra arquitectónica de Siza Vieira e o projecto institucional, que engloba como realização actual de maior visibilidade a exposição “Circa 1968”.

Entremos primeiro no espaço de liberdade verde que tudo envolve, na maior das calmas.

A generosidade de espaço que caracteriza o conjunto e o seu enquadramento natural demonstra-nos a razão daqueles que em devido tempo sabem planificar com vistas largas. Quando foi edificado, o palácio e os seus jardins devem ter parecido um exagero colocado em quintas espaçosas, mas muito fora de mão.

O intenso prazer que nos proporciona a visita confirma o que já era nossa convicção: estamos cansados de obras de concepção mesquinha e atarracada, de prédios em cima uns dos outros, de espaços saturados, de carros em cima dos passeios, para não falar das medonhas ruas sem passeios onde está aberta a caça ao peão, e por onde o peão tem de aprender a trepar paredes se quiser  sobreviver.

Um café com Siza Vieira, não é para todos

Bebamos um café com Siza Vieira na elegantíssima cafetaria que desenhou para nós, até ao mais ínfimo detalhe. Seja a presença do Arquitecto uma ficção a que se permitem estas insignificantes “conversas de pintor”, certo é que o diálogo é possível, por ser tão intenso o conjunto de impressões estéticas que todo o edifício desperta no visitante.

Sem desprimor para a exposição ali presente, é óbvio que o edifício e a sua concepção disputam uma parte muito significativa da atenção dos olhares disponíveis de quem entra.

Desde a implantação da obra, das opções que tiveram de ser feitas para existir uma boa articulação com o material paisagístico e arquitectónico pré-existente, toda a história do edifício deve ser um emaranhado de razões cheias de interesse conceptual que teria interesse conhecer.

Para mim, sem ter conhecimento dessa história feita de complexidades e opções candentes, há um aspecto que sinceramente me conquistou, para além dum universo doutras razões apreciativas: a sequência de relações que o edifício estabelece com a área envolvente e a utilização que o Arquitecto faz da substância visual que está ao seu dispôr e que nos vai sendo revelada através das aberturas rasgadas na construção.

As janelas, de dimensões cinemascópicas por vezes, constituem-se como aberturas de enorme sentido revelador quer da paisagem natural, quer da plástica interposta das restantes áreas do edifício. Caso a caso parece-me sempre exemplar o tipo de opções que foram feitas e é até possível fazer um exercício muito curioso: tentar descobrir, pela movimentação, os diversos jogos possíveis de enquadramento que uma só janela permite. O resultado é surpreendente e fornece uma infinidade de reflexões sobre o potencial da obra do nosso interlocutor que, embora ausente, se revelou magnífico de eloquência.

Para quem vá em direcção ao Norte, muitas são as referências artísticas que não convém ignorar. Entre elas destaque para a X Bienal de Vila Nova de Cerveira, esplêndido destino de férias culturais, em grande actividade até 12 de Setembro.

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