Publicado Diário de Coimbra 27 de Novembro de 1999
Com regularidade serena e a pertinácia que é possível para qualquer artista radicado neste local ignoto das grandes movimentações artísticas, vem revelando Carlos Alberto Ferrão desde 1984 ao público apreciador das artes o produto de parte do seu labor e das suas diversas facetas de criador plástico.
O seu curriculum denuncia uma significativa experiência no domínio da pintura a óleo e um enraizado sentimento dos valores desenhísticos mas é a sua faceta de pintor sobre azulejos que se tem vindo a tornar mais conhecida, pelo conjunto de realizações mais contínuas e recentes.
Pintor ou artista do azulejo?
Assinalo e sublinho a expressão presente no próprio convite feito para a exposição patente desde o dia 23 de Outubro na Arte – Galeria Estúdio, porque me parece estarmos essencialmente em presença dum artista cujo universo cultural e cujos recursos de comunicabilidade se encontram plenamente desenvolvidos no universo que à pintura dizem respeito.
Faço essa afirmação porque tenho tido o privilégio de conhecer a reserva de sensibilidade, cultura e labor artísticos de C.A.F., que não confinam de modo algum o seu domínio de interesses à arte de colorir azulejos, ainda por cima fatalmente impedidos de virem a ser utilizados como cobertura mural, de tal modo está assumida a sua natureza de suporte colado sobre madeira e devidamente encaixilhado.
Não que essa característica seja por qualquer forma carente de legitimidade ou nobreza expressiva. A opinião que exprimo é relativa a uma evidência para quem conhece a variedade de recursos de C.A.F., quer no domínio doutras modalidades artísticas, quer na apropriação que efectua dum imaginário pleno de ironia e sentido plástico e que é francamente pouco conhecido.
O azulejo: encontro de traços e de cores vibrantes
Como é próprio de tantas e tantas telas pintadas por outros artistas pintores, também a generalidade dos trabalhos de C.A.F. tem como gesto inicial a atitude estruturante do desenho. Desenho ao qual a démarche colorista se vem adicionar sem ser de modo gratuito, cada um dos quais reinvindicando espaço próprio, disputando por vezes um ao outro uma porção de respectiva autonomia.
O traço, aliás, anima-se duma instabilidade posicional que recusa a submissão estrita ao compromisso figurativo e abre caminho a diferenciações de que a cor se encarrega de tirar partido adequado. Noutros casos chega a simular a atitude visualmente dinâmica duma focagem/desfocagem, que à visualidade empresta o efeito dinamizador da dita quarta dimensão, o factor tempo.
Uma exposição nunca satisfaz plenamente o artista porque nela nunca se diz tudo que haveria para dizer. A mim, como espectador privilegiado do tão rico universo criativo de C.A.F., lamento que não lhe tenha sido possível até agora demonstrar numa sala bem grande duma instituição cultural devidamente responsável, uma retrospectiva bem estruturada de todo esse tesouro confidencial de experiência artística multifacetada que é a do Artista em apreço, presente até ao dia 5 de Novembro na Arte – Galeria Estúdio.
A sugestão fica feita, é merecida pelo Artista, mas os beneficiários seríamos seguramente todos nós.