Crónicas da morte anunciada da pintura (ou não) – III

SV

Centro Galego de Arte Contemporânea, Arqº Alvaro Siza Vieira / Santiago de Compostela (1995).

 

Publicado Diário de Coimbra 22 de Novembro de 2000

Em visita recente à magnífica e histórica Santiago de Compostela, refiro duas presenças portuguesas do mais alto gabarito: a do Arquitecto Álvaro Siza autor do projecto do Centro Galego de Arte Contemporânea, e a do escultor José Rodrigues, presente numa magnífica exposição patente no Convento de São Domingos de Bonaval.
A qualidade deste último acontecimento (originária e anteriormente patente na cidade do Porto) é dum nível invulgar, desde a nobreza como se enquadra no espaço monumental que a alberga, ao próprio “corpo arquitectónico” que lhe serve de suporte (uma compacta peça metálica oblíqua à nave central do templo que é panteão dos Galegos ilustres) e que reforça a solidez compacta duma estética séria, consistente, impressionante.

JR

Exposição do Escultor José Rodrigues, São Domingos de Bonaval, Santiago de Compostela

Como é que se pode chamar arte a isto?

O projecto de Alvaro Siza Vieira realiza com a inteligência que lhe é peculiar a compatibilização da arte do século com a soberba monumentalidade da cidade onde se encontra.
Lá dentro, visita-se uma colectiva de 24 artistas organizada pela Secretaria de Cultura da Renânia do Norte, com um elenco de apoios, patrocínios, comissão de honra e altíssimos comissários, cujo peso e volume deixa esta crónica e o seu modesto autor completamente esmagados pela mais indiscutível e inquestionável altitude. Nomes, nomes e mais nomes. Autoridade e poder, numa palavra.
As obras ali expostas são, contudo, das tais que corporizam uma faceta da questão que venho levantando aqui. Obras que, pela via duma desconstrução assumida da arte, esvasiam as categorias fundamentais da estética, forçando o espectador que tenha a capacidade de manter a compostura observativa (lá, onde a esmagadora maioria não passará dum escarninho encolher de ombros) a interrogar as relações possíveis entre o sensível e o inteligível, entre o significante e o significado que se manifesta em tais “obras”. Um velho armário de lata recolhido do lixo duma oficina qualquer, tem uma porta fechada donde um gravador lança de minuto a minuto um grunhido fosco, animalesco e bruto. Um exemplo, apenas.
Já vimos todos coisas destas, troncos grossos ou gravatos perdidos, montes de pedras ou ferro velho espalhadas pelo chão de museus do mais alto gabarito, esculturas feitas de caca (caca mesmo, leitor, não é gralha!…) em soberbos centros culturais, o conteúdo de caixotes do lixo emparedados em blocos de fibra de vidro em belíssimos palácios da arte moderna. Uma vez, tem piada. Mas o fenómeno de tais “artes” instalou-se com uma continuidade tão impertinente que tira a paciência a um santo. Os perturbantes gestos do dadaísmo inicial e o urinol de Duchamp (a “Fonte”…) já têm mais de oitenta anos, senhores!…

Os Van Goghs e os aproveitadores

Alguns dos notáveis percurssores das vanguardas históricas, aqueles que renovaram e revolucionaram a arte e o olhar deste século, eram homens isolados cujos trabalhos eram muito pouco disputados e  que tiveram de defrontar academismos poderosos. Em casos extremos tiveram de pagar a hospedaria com quadros que ninguém queria e que agora enchem de júbilo (e de dólares…) os mais empedernidos especuladores.
As vanguardas instaladas deste fim de século servem-nos uma pretensa visão contestatáriada da sociedade, uma pseudo ironia  mil vezes requentada, e algumas alusões incompreensíveis dum ecologismo soft, fortificados no mais couraçado dos academismos. Professores doutores e altos comissários a baterem a pala uns aos outros, trocando entre si favores, oportunidades principescas, imersos num impenetrável banho de autosuficiência e de incomunicabilidade, tudo a fabricar curriculum e a amontoar prestígio, prestígio, prestígio…
O que me valeu, no fim daquela tarde de visitas contrastadas e assimétricas, foi poder mergulhar de novo no calor das ruas e nas praças vivas de Santiago, tomar uma “copa”, e saudar a arte eterna dos povos que sentem e das pessoas que amam a vida.

bibliografia:
“Teorías del arte contemporáneo” Fuentes artísticas y opiniones críticas
Herschel B. Chipp, Akal Ediciones, Madrid

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