Lorca pela Escola da Noite, no Dia Mundial do Teatro

Publicado Pelo Diário de Coimbra em 2 de Abril de 2002

FGL

Amor, amor
que estoy herido
herido de amor huido,
herido,
muerto de amor.
Decid a todos que ha sido
el ruiseñor.
Bisturí de cuatro filos
garganta rota y olvido.
Cógeme la mano, amor,
que vengo muy mal herido,
herido de amor huido,
¡herido!
¡Muerto de amor!

“…Para que quiero tu alma? Me dice. El alma es el patrimonio de los debiles, de los heróes tullidos y de las gentes enfermizas. Las almas hermosas están en los bordes de la muerte, reclinadas sobre cabelleras blanquíssimas y manos macilentas. Belisa! no es  tu alma lo que yo deseo! sino tu blanco y morbido cuerpo estremecido…”

Amor de don Perlimplín con Belisa en su jardín, Federico García Lorca

Quem quer que tenha dito estas palavras, onde ou como ou a quem as disse, que importa? Certo é que, só em dizê-las, se desenha a porção mais intensa do drama sem resposta: o encontro dum corpo-só-alegria-breve e duma alma sangrando as lágrimas últimas dum desejo impossível de concretizar.
Na noite escura do palco ou no palco escuro da noite, é de mãos dadas no leito que desabrocha a flor intensa da mais duvidosa paixão: a de um homem que inventa – escondido dentro do vulto da sua capa – o próprio aroma intenso da paixão juvenil, convencendo a bela amada duma alegria surpreendente oferecida à margem dos códigos sacramentais mais solenes.
Há contudo, na frase citada, um horizonte mais alargado que se adivinha, uma percepção mais aguda que a do simples equívoco passageiro da arrogância juvenil, ou do irremediável convencimento da morte: o que me ficou, no cruzamento de luzes que a acentuação cénica conferiu a esta pequena quantia de palavras, foi um estremecimento de verdade e de autêntica decifração do peso ou do segredo íntimo da alma, estupefacta por não ter de correr mais em procura das fronteiras últimas da realidade possível.
Só na versatilidade contraditória dos poetas, nas paisagens inventadas pelos pintores ou nas arcadas agri-doces do texto musical é que existe solução para tramas tão profundas e comoventes!
Sobretudo se forem servidas pelo expediente sagrado do palco cénico, em trabalho de bom gosto inexcedível, como foi aquele que nos foi oferecido pela Escola da Noite, no TAGV, como prenda de Teatro, no dia internacional do mesmo.
Num variado cruzamento de géneros de expressão teatral, desde a farsa aos títeres, ao canto lírico, ao drama mais subtil e recolhido de intensidade poética, o trabalho em referência foi ainda enquadrado por uma exploração do espaço cénico feita com uma inteligência funcional e estética de singular efeito.
É impossível e quase ridículo acrescentar conceitos e imagens que procurem dizer mais qualquer outra coisa sobre Federico Garcia Lorca, na sua enorme compaixão dramática e na sua reverência por tudo que é feito de palavra poética.
As varandas trespassadas pela luz matinal que escondem com seu brilho os mais intensos segredos da noite, a revoada dos pássaros nocturnos que são augúrio dos amores inconfessáveis, a opção trágica duma morte auto-infligida, tudo por ali passou e muitas outras coisas, no registo duma prática artística que interliga um surpreendente amadurecimento da técnica teatral e da cultura respectiva.

Operação Tempestade no Deserto

Foram muitas as outras acções decorrentes na comemoração do dia Mundial do Teatro.
À tardinha, teve lugar em Santa Cruz uma acção de autoria do “Teatro Anónimo”. As jovens artistas, exageradamente ornadas e em trajes sugestivamente “impróprios”, feriram a curiosidade geral provocando todos os circunstantes com os ademanes e piscar de olhos que a nossa sociedade só tolera à noite, às escondidas, ou em qualquer outro caso digno de excepção.

Como se divertiam elas mostrando a (bela) coxa doce, e como se babavam os maduros que, salutarmente provocados, as viam. Reparei que os jovens que por ali estavam, também se babavam muito, mostrando assim que, também eles, são convictos e apaixonados admiradores do verdadeiro Teatro!…

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