Publicado Diário de Coimbra 22 de Abril de 2002
Num dos últimos momentos da anterior vereação cultural da nossa cidade afirmou-se, certamente com admirável orgulho, o facto de se ter atingido o montante de não sei quantas centenas de exposições realizadas.
Tendo tido a ocasião de visitar um grande número delas, e estando a começar novo mandato autárquico, penso ser a altura ideal para fazer alguns comentários, defendendo que não é o número de iniciativas a atingir que é o dado fundamental do problema, mas sim o seu sentido de projecto, a sua comunicabilidade discursiva e o seu substracto cultural.
Penso, em termos muito gerais, que a realização de exposições em Coimbra não tem evidenciado coerência e sentido de estratégia artístico-cultural, mais parecendo derivada dum encadeado de acontecimentos avulsos com calendário funcionalmente preenchido, mas com aproveitamento qualitativo de precária consistência.
Independentemente da maior ou menor qualidade desta ou daquela iniciativa, o que me tem parecido mais notável é a ausência de um genuíno sentido de projecto, sendo elevado o nível de perda de energias entre trabalho feito e fruto aproveitado.
Aliás, um dos dramas mais agudos deste labor – que é levado a cabo por um aparelho material e humano já de notáveis proporções – é a pasmosa incapacidade de se tornar notado no conjunto da sociedade em que se insere, de suscitar o eco e de construir projecções adequadas.
O silêncio confortável, a palavra incómoda
Quanto aos actos de abertura, desisti há muito do aborrecimento social de frequentá-los de tal modo se configuram como desertos confusos de contemplantes desamparados, para os quais o beberete reservado às raras produções VIP não disfarça a pobreza franciscana de algumas palavras de elogiosa circunspecção.
O discurso de abertura de formato monográfico, que eu já vi praticado em lugares onde a cultura é motivo de convívio qualificado, seria a forma de tornar esse episódio num acto de valorização crítica a não perder e dignificaria a um tempo os artistas e os organizadores.
Uma atenção mais cuidada deveria ser dada ao material informativo que é posto ao alcance dos visitantes, evitando assimetrias que têm sido de regra: alguns catálogos quase luxuosos, outros completamente ausentes.
A componente dialogante de todo o articulado expositivo tem sido chocantemente omissa, não passando muitos acontecimentos de meros episódios de penduração de objectos que surgem sem razão e desaparecem passados dias, num triste esquecimento de anonimato.
A conquista de um mais amplo nível de interessados e a construção duma comunidade participante não pode fazer-se de costas viradas para as pessoas e pressupõe algo que não adianta prometer ou improvisar.
Espaços adequados, precisam-se
Há um aspecto relacionado com a própria concepção do edifício da Casa Municipal da Cultura que desde há muito me confrange e enche de perplexidade.
Não sei porque razão foi o edifício planificado assim, desconheço a sua memória descritiva e quais foram os quesitos apresentados ao arquitecto. Certo é que o seu aspecto inicial, com a belíssima sala principal amplamente aberta sobre o arvoredo da Sereia, me causou a mais admirável sensação.
Ao lado, uma sala mais pequena, recebeu a adequada designação de “galeria do jardim”, de tal forma ela manteve o desígnio de se abrir ao espaço exterior.
A abundância de janelas e a escassez de paredes para mostrar objectos conduziu a um resultado confrangedor que nunca mais teve remédio: as janelas viradas para a Sereia foram progressivamente ocultas, sem que delas tenha ficado o mais leve rasto.
No caso das últimas exposições levadas a cabo pela vereação anterior a compartimentação do espaço expositivo foi levado a tais extremos, quer na sala maior quer na mais pequena, que provocou efeitos verdadeiramente sufocantes quer para as obras expostas, quer para os respectivos visitantes.