Teatro do brasileiro Plínio Marcos pel’A Escola da Noite

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Publicado Pelo Diário de Coimbra em 4 de Novembro de 2004

A primeira virtude de mais esta realização d’A Escola da Noite, com versão e encenação de Sílvia Brito e as magníficas actuações de dois bravos actores, Carlos Marques (Paco) e Ricardo Correia (Tonho) é a de trazer ao palco a obra de um brasileiro, Plínio Marcos, presença forte e interventiva da sociedade problemática e da época conturbada em que viveu.
A cultura da pressa e da falta de tempo tomaram de assalto o quotidiano, mesmo que insignificantemente improdutivo, e é raro encontrar quem se dê conta da riqueza imensa do inexplorado universo da autêntica cultura brasileira.
Chão vasto como um continente, mescla de povos vários e cadinho de culturas confluentes, o Brasil é esse outro lado do mundo que escassamente nos atrevemos a (re)descobrir, para mal dos pecados da nossa lusitanidade.
A estética da peça, afinada por um saber fazer e por uma sensibilidade requintada que são a marca distintiva dos trabalhos da casa, traz-nos mais uma vez o eterno tema da violência sob uma das suas inumeráveis roupagens.
Sobre a plataforma forrada de branco, como qualquer ring de box, saltam de tantos em tantos minutos dois lutadores acossados pelo rigor de carências duma sociedade impiedosa e madrasta.
Na sucessão de quadros que se organizam como autênticos “assaltos” dum combate muito menos que simbólico, nem faltam, a cada canto, o lugar do alucinado repouso dos contendores, a toalha que limpa o seu suor azedo e a água com que se dessedentam.
Interessará considerar a forma como termina o enredo? Valerá a pena debater a melhor ou pior justeza da solução encontrada para desenlace dos amargos conflitos daquelas duas almas errantes, irmãos gémeos de outros tantos homens a braços com a sua própria angústia, filhos doutras misérias e doutras injustiças?
É evidente que sim e bem o sabe a cultura desta Companhia de Teatro que sempre nos traz, dignificada, a arte do gesto e da palavra dramatúrgica.
Sensibilidades oriundas de um século que foi indelevelmente marcado pelos vícios e virtudes da “hollywoodesca” fábrica dos sonhos, bem sabemos de que maneira é que uma obra “contra” a violência pode fazê-la passar como razoável ou até indispensável.
Relembremos, a título meramente simbólico, um clássico de clássicos, ainda a preto e branco: “O homem que matou Liberty Valance” de John Ford. Para que James Stewart, o democrático e delicado protagonista pudesse fazer reinar a lei e a ordem e tornar-se prestigiado senador, lá teve que puxar o gatilho na sombra John Wayne, carisma vivo da mesma América profunda que apoia tão visceralmente invasões e bombardeamentos.
Longe do artificial tratamento das imagens e dos avassaladores ritmos de narração do cinema e da televisão, o teatro conserva, ainda felizmente e sempre, o metal fino da voz tremente, o claro escuro da autenticidade, as pausas, os ritmos à nossa medida e a face descoberta do actor, eco e reflexo do nosso próprio rosto.
Na peça de ontem houve uma cena que todos viram e que não fazia parte do entrecho, que não foi escrita pelo dramaturgo nem fora sonhada pela delicada encenadora.
Os dois rapazes, actores de mão cheia, cairam ao fim nos braços um do outro empolgados pela emoção do recado entregue de corpo e alma inteiros.
À espontaneidade irreprimível do abraço não terá faltado o brilho diamantino de uma lágrima. Se foi deles ou se foi minha, não sei bem. Mas coisas destas, francamente, nunca as vi nos filmes de Holywood!…

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