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publicado no Diário de Coimbra no dia 21 de Outubro de 2005
Tendo visto anunciados os dois acontecimentos constituídos a partir de obras pertencentes às colecções de Serralves, uma no Pavilhão Centro de Portugal e outra no Centro de Artes e Espectáculos, nada mais natural ter pensado que valeria a pena visitar ambos, lamentando que as duas exposições não sejam motivo de apreciação conjunta de pessoas que pudessem tecer a seu respeito um interessado debate.
Em torno das designações de “arte moderna” e “arte contemporânea” florescem os equívocos, prevalecendo a utilização subjectiva e oportunista de uma e de outra, não desejando ninguém ficar de fora no momento de se reivindicar como apreciador e adepto de qualquer delas.
O século XX foi caracterizado por uma aceleração tremenda dos acontecimentos em todas as áreas, e julgo que não houve ainda tempo para dominarmos uma imensidade de aquisições riquíssimas que já vão sendo, com demasiada precipitação, lançadas para zonas de sombra da apreciação colectiva.
Em Coimbra, arte pobre
A mostra assim designada patente em Coimbra parece representar, para a época trepidante e já “remota” a que se reporta, uma espécie de reverso da medalha duma cavalgada ofegante e contraditória de realidades artísticas e sócio-culturais de certo tipo, gesto de actores insatisfeitos no palco da representação artística ou invulgar processo de contestação do “establishment”.
Será aquilo arte? Se nós quisermos, será, pois claro.
E se eu for buscar ali ao ferro velho uma cama enferrujada, e lhe puser em cima uma trouxa de trapos velhos, também posso dizer que são arte?
Aí o caso complica-se. Porque aquela cama de ferro velho que está no Pavilhão do Centro de Portugal não é uma qualquer. Eu não sou grego, nem me chamo Kounellis, nem tive a ideia antes, nem estava lá perto de quem pôde dizer com a autoridade crítica, um alto comissário talvez, que aquilo era arte e que viria parar a Serralves!…
A contestação, se o foi, acabou por resultar com todo o êxito, dado que acabou por ser “assimilada”, e de que maneira, pelo mesmíssimo “establishment”.
Não quero evocar com detalhes a circunstância de a minha cama de ferro velho ter um valor patrimonial zero, face ao “valioso” espécimen de Kounellis. Dessas coisas de dinheiros, em artes, não se fala porque parece mal, ainda que sejamos nós a pagar, como é o caso de uma colecção pública e fortemente subsidiada.
Levantar questões destas é para quem quiser pensar pela própria cabeça e nenhum jovem licenciado em humanidades à procura de emprego em instituições culturais deverá assumir tal risco.
A menos que esteja bem preparado para responder àquela questão que às vezes é feita nas entrevistas de contratação, depois de apresentado o “curriculum”:
– E além disso, você conhece “alguém”?
Na Figueira da Foz, o Plano atravessado
A mostra que é apresentada na Figueira da Foz é totalmente diferente. Ali já podemos pressupor o vulto do artista no espaço oficinal respectivo, muitos frascos com tinta e a floresta de pincéis no chão ou sobre a mesa.
Os quadros, ou pinturas, ou objectos, são igualmente desafiadores do conceito tradicional ou académico. Existem, no entanto, os mais evidentes sinais de um “exercício excelente” da produção de peças únicas ou seja, da “materialização” do objecto estético.
O evento goza do esplêndido conforto do edifício em que se encontra, e nem lhe falta um razoável catálogo que está à venda na livraria residente.
Em França, o centro do mundo e os novos (velhos) academismos
O comentário adequado destes acontecimentos teria de passar fatalmente pela citação de uma inesgotável quantidade de posições e polémicas oriundas, “et pour cause”, de Paris de França, pelo menos. É pena não haver espaço para tal, pela abundância de argumentos que se tem acumulado em torno da discussão crítica da questão.
Limito-me a referir a importância crescente e tentacularmente exclusivista que a afirmação da “arte contemporânea” tem tido entre nós, nos últimos anos, averbando os principais gestos de investimento e promoção pública das artes.
Uma maioria dos mais dignos e recentes espaços culturais está-lhe dedicada, o que não se passa, “mutatis mutandis”, de forma tão depreciativa para o pluralismo e variedade de perspectivas em Madrids, Parises e outros “centros do mundo”!…
Ou seja, uma sociedade que passou pela vastíssima modernidade de olhos baixos, como a nossa, parece disposta a render-se à contemporaneidade, sem saber de facto o que quer dizer uma e outra coisa.
Valerá a pena referir que algumas das ideias e princípios directores da arte “contemporânea” já datam de há quase um século, o que lhe retira de forma absoluta o odor de novidade e lhe acentua a semelhança com os persistentes academismos de outras épocas, que o tempo foi varrendo, ao fim e ao cabo.
Serralves em Coimbra e na Figueira da Foz, a não perder!…
Tive o enorme prazer de ver esta tela do ‘Palolo’ ao vivo, na inauguração, no Palácio Ribamar, em Algés, Concelho de Oeiras.Foi uma excelente exposição – SERRALVES EM OEIRAS – que até trouxe Comissário.Algures no ‘à rédea solta’ deve haver uma referência ao assunto e logo que a encontre virei aqui deixar o link.Obrigada pelas palavras deixadas no meu blogue das telas.Um abraço.