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Quem primeiro me falou, já há alguns anos, acerca do artista Ferreira da Silva, foram os profissionais de azulejaria da região de Alcobaça, Porto de Mós e Caldas da Rainha. Trata-se de uma figura por todos conhecida, rodeando o seu nome uma aura de elevado respeito e consideração pela sua obra.
Um dia, o meu amigo Alcino Vala, do Juncal de Porto de Mós, que exerce o mesmo ofício que os azulejadores de fins do sec. XVIII que ali produziram, entre muitos outros, os painéis de azulejos que estão na sala dos Reis no Mosteiro de Alcobaça, levou-me propositadamente até ao Hotel da Quinta do Pinheiro, no Valado dos Frades, onde há um significativo conjunto de trabalhos de autoria de Ferreira da Silva, às quais novas encomendas se vieram juntar recentemente, numa louvável atitude de enriquecimento patrimonial daquela instituição.
Tive mais tarde a ocasião de publicar no Diário de Coimbra um comentário detalhado a respeito do notável conjunto de painéis seus que se encontram no IPO em Coimbra, quer à entrada, quer no seu interior.
Fora entretanto às Caldas da Rainha, para me encontrar com o Mestre, o que me deu a grata oportunidade de conhecer, além de outras intervenções suas de valiosa importância, o empreendimento público que ali desenvolve, com arrastadas intermitências, por iniciativa do Centro Hospitalar da cidade e que tem a designação de “Jardim da Água”.
É muito ingrato para mim falar num espaço tão reduzido a respeito do labor deste notabilíssimo artista detentor, além do mais, de uma personalidade forte e distanciada de toda a trivialidade, do exibicionismo fácil e da reverência conveniente.
O artista Ferreira da Silva é conhecido por um grande número de intelectuais e artistas do grande mundo, com os quais ombreou em talento e representação cultural. A personalidade que o caracteriza, contudo, fez dele um homem enraizado no labor oficinal que sempre tem desenvolvido com a maior eficácia criativa e infatigável persistência experimental. Detentor de uma cultura universalista, ecológica e poética, de grande independência, aprecia os espaços livres, o mundo das origens, os princípios e a liberdade inicial em clima que gosta de designar como “saudade do arqueo-sítio”.
São numerosas as obras que foi produzindo no domínio das artes do fogo, estando espalhadas pelo mundo uma grande quantidade delas, na posse de notáveis coleccionadores.
O Jardim da Água é um espaço cénico e um percurso pedonal que tira partido de um conjunto de materiais pré-existentes e de estruturas de encaminhamento de águas termais, aos quais se acrescentam multifacetados recursos de originalidade e um sentimento criativo sem peias.
É uma obra dominada por um empolgante sentimento de utopia, destinada a fornecer um permanente espectáculo de águas rumorejantes, circulando através de planos diversificados, animado dos mais diversos efeitos de cor e luz.
A estrutura geral de suporte associa à solidez do betão uma libérrima multiplicidade de planos com intenso dinamismo escultórico, sobre os quais a cerâmica, o vidro, o ferro e outros materiais ganham significados novos, amplificantes do seu usual valor.
Faço os mais sinceros votos para que as contradições que se adivinham por detrás da hesitante marcha dos acontecimentos não demorem a conclusão de uma iniciativa sem qualquer paralelo em meio urbano e de invulgar expressão estética, que tanto tem a ver com o legado histórico e cultural da cidade em que se encontra.
Este texto foi publicado na Revista de Informação do SBC, de Janeiro/Fevereiro de 2008
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Gosto muito da escultura….bom dia
É uma pena a desconsideração a Ferreira da Silva, pelo desmazelo bem visível no jardim de água nas Caldas, seguramente ao abandono há bastante tempo. Seria magnífico uma simples limpeza, tentando pelo menos periodicamente mantê-lo a funcionar! Seria uma mais valia para os visitantes, entre tantos imóveis desvalorizados e consequentemente degradados. Que pena! Começando pelo colossal ex-líbris das Caldas…e muitos outros
Cara Alexandra Assis,
Agradeço muito o comentário feito e lamento muitíssimo que seja essa a realidade quanto ao património artístico-monumental e quanto à memória do legado artístico de pessoas insígnes como era muito certamente o grande artista Ferreira da Silva. Nunca vivi as Caldas da Raínha, mas desloquei-me lá exclusivamente para me encontrar com ele. Foi ele que me apresentou, entre outras coisas, o Jardim da Água. Também escrevi e divulguei outras obras de Ferreira da Silva, nomeadamente os belíssimos trabalhos de azulejaria presentes no IPO de Coimbra, na auto-estrada A1 e noutros locais. Logo que possível publicarei aqui esses trabalhos. Ando muito ocupado com outras tarefas muito importantes para mim. De novo muito obrigado, remeto os meus melhores cumprimentos e votos de óptima saúde.
José da Costa Brites