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Tendo três filhas meninas, não quis Sebastião dar-lhe a educação americana já muito permissiva nessa altura para os seus hábitos, e resolveu regressar a Portugal acompanhado de toda a sua família, facto que causou o maior desgosto à minha avô “Mariana”.
Ela bem sabia quão “arrastada” era a vida das mulheres em Portugal, habituara-se já a um sem número de facilidades e comodidades usuais da Norte América e doeu-lhe muito a decisão de seu marido. Esta foi tomada de uma forma inaceitável para os dias de hoje, mas porventura entendível para a época em que viviam, patriarcal por excelência. “Mariana” soube que iria regressar a Portugal apenas no dia em que Sebastião chegou a casa com os bilhetes da viagem transatlântica já guardados no seu bolso e com data marcada para o embarque.
Lá se ficava a casa modernizada na qual não faltava um antecedente do frigorífico (a “ice box”) para conservação dos alimentos, a abundância de produtos num mercado muito mais evoluído, a graça e conforto dos trajes, a escola a que as meninas estavam já habituadas e a língua dos residentes que já dominavam. No seu regresso a Portugal esse facto produziu-lhes um choque terrível na nova escola que passaram a frequentar, onde as outras crianças as aceitaram de forma estranha dada a linguagem que usavam entre si. Esse facto acelerou de forma dramática a rejeição do inglês que nunca mais voltaram a praticar na sua vida.
Sem saber o que iria acontecer no futuro imediato naquela sua amada América, Sebastião teria tomado, contudo, uma decisão circunstancialmente acertada. Tendo regressado antes da “grande depressão” pôde vender ainda a sua casa com facilidade por um preço conveniente e formar um pecúlio suficiente para se instalar com a família em Cernache do Bonjardim.
Mesmo que eu não tivesse uma informação detalhada a respeito de tais factos históricos, são claras na minha memória juvenil as referências a algo que teria acontecido por lá, que impediu depois muitos portugueses de realizarem, durante certo período, o sonho dourado de regressarem à sua terra gozando dos proveitos dum mealheiro confortável. Foi o caso, aliás, do meu tio Joaquim Pires, irmão da minha avó “Mariana”, que gorada a oportunidade de regressar nessa altura ali se enraizou e residiu até ao fim dos seus dias.
Lembro-me bem de ouvir falar, nas visitas que lhe faziam alguns torna-viagem daqueles tempos, das súbitas mudanças na situação económica. Que bem tinha feito o meu avô em regressar antes da crise porque tinha conseguido amealhar um bom pecúlio por ter podido vender a sua casa ainda por uma boa porção de dólares.
Quanto à exactidão concreta das motivações do regresso de meu avô, julgo que a questão da educação das suas meninas não cobre toda a verdade, tendo sido essa uma forma sentimentalmente airosa de “verdade oficial” que pode justificar uma rejeição mais global duma certa forma de vida. Essa atitude foi, aliás, adoptada por uma grande quantidade de outros emigrantes portugueses radicados nos Estados Unidos que regressaram naquela época a Portugal. Regresso que, no caso do meu avô, também não era para ser definitivo, o que é comprovado pela forma cuidadosa como se documentou em relação a um eventual retorno e por declarações feitas nesse sentido.
Tendo-se tornado definitiva a permanência portuguesa em tempo de “grandes depressões” nos USA, teve a virtude de transformar um operário que seria sempre modesto num “proprietário” rural de algum respeito, o que não deixou de ser uma subida interessante de estatuto para um antigo e sofredor “ceifeiro” de além Tejo!…
Quanto às saudades, ao “arrependimento” e outras ocorrências futuras, isso são contos largos.
O escasso número de pessoas que conhecia a história sabia bem que o olhar pesaroso da minha avó, nesta fotografia, registava bem o desgosto que foi, para si, deixar Providence e uma vida diferente na América.
Documento que teria permitido ao meu avô regressar aos Estados Unidos, durante um certo período.