Avô, tios, irmãos

39 p

Esta fotografia foi tirada em 1914, em Providence, no SMales Studio, nº 489 da Westminster Street.
As pessoas que nela figuram são, da esquerda para a direita, o meu tio Guilherme (ou Guilhermino), Sebastião, meu avô, sentado e o meu Tio Isidro, todos de apelido Matos Gomes.
À primeira vista não vemos senão três pessoas representadas numa pose visivelmente fraterna, que a tonalidade sépia envolve num encantamento de antiguidade.
Olhando com mais detalhe outras conclusões são possíveis: Sebastião fora o primeiro a ir para a América e os seus outros dois irmãos não estão ainda tão à vontade. Por isso é ele que se encontra ao centro, recebendo a homenagem espontânea das mãos de seus irmãos colocadas sobre seus ombros. Guilhermino (será por acaso) tem um olhar algo fixo, um tanto crispado. Seu irmão Isidro, meu padrinho de baptismo já está mais confiante. Foi dos três o primeiro a falecer, logo depois de eu nascer.
O fato de Guilherme não é tão cuidado como aqueles que podemos ver mais tarde noutras fotografias suas, as calças que veste não estão esmeradamente vincadas – como é seu costume – e as botas que lhe vemos podem ser aquelas que trouxe ainda de Portugal. Visivelmente não são do mesmo modelo de abotoar que calça Sebastião, certamente já compradas em Providence.
É notória a satisfação do irmão que se senta ao meio dos outros dois. Foi ele que lhes deu apoio na sua ida para a América, que os acolheu e lhes arranjou emprego, que os agasalhou e a quem ajudou a contornar os primeiros obstáculos duma vida tão nova, tão intensa e estimulante. Esta é a verdade aqui patente que não escapa ao observador que tiver o desvelo de ler estas linhas.
Para mim, que nasci acalentado pelos sorrisos e pelas lágrimas desta gente, os gestos e atitudes que diviso são uma lição de humanidade fraterna, uma demonstração daquilo que se torna evidente porque quem olhava o mistério da máquina das fotografias, não temia – antes se orgulhava – de mostrar o que sentia.
Há um segredo nesta fotografia, contudo, que esperou quase 100 anos para ser revelado e que poderia continuar oculto, não fosse esta imensa necessidade de entender tudo o que nela está contido para além duma primeira observação distraída.
Efectuando o restauro da imagem original, ampliando-a muito, descubro o seguinte detalhe: o tradicional bigode do meu avô Sebastião encontra-se um pouco favorecido mediante um retoque de atelier feito pelo profissional que revelou a fotografia. O bigode, que foi crescendo mais ou menos de acordo com as épocas, não estava nesta altura ainda tão afirmativo, tão retorcido.
Terá sido uma ajuda deliberada do profissional para agradar ao cliente? Será que o bigode era de facto mais proeminente e não saiu tão bem como o autêntico ou será que se falou nisso durante a pose?

No verso cartonado da fotografia, legendada pelo próprio punho de meu avô muitos anos mais tarde, identifica-se o estúdio em que foi feita, e à qual estas pessoas iriam regressar mais vezes:

40 p
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