Parte I – Itinerário de vida e recordações pessoais

A vida esforçada de Sebastião de Matos Gomes e de sua família, descrita à maneira de narrativa ficcional, forneceria matéria para uma obra muito rica de factos emblemáticos duma epopeia portuguesa de tantas gerações de emigrantes que encontraram na aventura de partir aquilo que não encontraram, de outro modo, na sua pátria de origem.
Tantos são os livros que se não escrevem, tantas as memórias que se perdem, tantos os trabalhos e sacrifícios que ficam por contar que a falta de mais um nada importa no largo oceano dos sonhos ignorados.
A breve resenha que aqui apresento das memórias que tenho da passagem de meu avô pelos Estados Unidos da América é apenas um registo simples de natureza afectiva.

Um conjunto de circunstâncias pessoais fez com que eu tenha sido um dos seus mais íntimos companheiros de conversas no derradeiro período da sua vida. A diferença de idades e o distanciamento no tempo das experiências de cada um, contudo, fazem com que Providence, para mim, não passe de um lugar fora de todos os mapas possíveis deste mundo que contemplo de longe com a saudade inexplicável das coisas que nunca vimos. Ainda conheci e convivi também com o seu irmão, meu tio Guilherme (ou Guilhermino) de Matos Gomes que fez nos Estados Unidos um percurso muito semelhante ao do meu avô e que nutria pela sua estadia ali o mesmo género de emotivas recordações.
Tive, e ainda tenho, familiares já distanciados e desconhecidos a residir em Providence ou nas suas imediações.
O único contacto assinalável com contemporâneos do meu avô em Rhode Island, ainda ali residentes à época de uma sua visita feita no fim dos anos 50 a Portugal, foi com o meu tio Joaquim Pires (que residiu em Barrington, era irmão de minha avó e, portanto, cunhado de Sebastião) e sua segunda esposa, a Tia Maria Pires, de Fornos de Algodres.
Recebi a visita nos anos 90, já em Coimbra, de uma filha de Joaquim chamada Leopoldina (Pauline), com quem estabelecemos um contacto muito simpático que poderia ter resultado numa viagem a Rhode Island, não fosse a América um tão longínquo destino de visitas.
No auge da minha adolescência surgiu o sonho inconsequente e frustrado de poder ir viver para Providence, que nunca veio a concretizar-se devido – entre outros – ao facto de meu avô ter trazido sua esposa a Portugal para que aqui nascesse minha mãe, o que lhe retirou direitos de regresso. capital daquele pequeno estado da União tornou-se portanto, para sempre, um lugar idealizado e abstracto.
As pessoas que me conhecem e que me visitam ficam sempre muito surpreendidas por ver no meu atelier de pintor uma velha bandeira dos Estados Unidos da América que, em cores esmaecidas pelo tempo, além das riscas brancas e vermelhas mostra 48 estrelas brancas muito bem arrumadas sobre fundo azul forte: o número de Estados da União nessa época…

OLYMPUS DIGITAL CAMERAa bandeira “do Papá”

É a última coisa que poderiam esperar em minha casa, tão ostensivamente exposta.
Mas a todos explico que aquela bandeira não é de potência mundial nenhuma, mas sim estandarte amorosamente guardado e estimado do país das recordações de meu avô, com a qual me deixava brincar por privilégio especial concedido ao seu primeiro neto.
De seu nome Sebastião de Matos Gomes nasceu no dia 5 de Outubro de 1885, tendo ido para a América depois da implantação da República em Portugal em 1910, e regressado a Portugal em Agosto de 1926.
No dia 12 de Julho de 1942 nasci na sua casa em Cernache do Bonjardim, contava ele 56 anos, portanto.

…O pano de fundo desta fotografia nada tem a ver com a elegância daquelas que meu avô tirou na América. Os retratados são minha avó Maria, meu avô Sebastião e o autor desta narrativa com poucos meses de vida.

Meu pai era de Leiria, para onde vim viver, passando entretanto largas temporadas em Cernache do Bonjardim, lugar eleito de brincadeiras e convivências de família.
Em 1949 iria falecer meu pai por acidente rodoviário, facto que originou uma transformação imensa e desastrosa em todo o decurso da minha vida. Sebastião tinha portanto 64 anos, tendo vindo viver para Leiria com a Mamã (assim todos chamávamos minha avó).
Embora tenha começado cedo a exercitar um certo gosto pela escrita nunca tive a disponibilidade ou a capacidade para encetar uma recolha sistemática e organizada das memórias de vida desse meu grande amigo e protector moral, o que lamento de forma indescritível.
Pelas iluminadas manhãs da sua Quinta da Salgada passeávamos pelo arvoredo, pela chã e pelas hortas, atrelávamos o cavalo ao engenho, enquanto lhe perguntava e ele gostosamente me contava coisas da América.

Papá, Mamã, minha mãe Lourdes e tia Lídia

Dezassete anos separam esta fotografia (tirada em Providence em 1925) daquela que acima se encontra publicada, e não fazem falta as palavras para acentuar o contraste de universos que vigorava entre Cernache do Bonjardim, Beira Baixa e Providence, Rhode Island. As pessoas adultas retratadas são as mesmas, acompanhadas aqui pelas duas filhas Maria de Lurdes, minha Mãe (de pé) e Lídia (sentada), não estando ainda presente a terceira filha do casal (Ermelinda), que viria a nascer em 1926

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