Houve um desgosto que, sem saber, me deu um dia meu avô.
Passageiro legítimo da geração das histórias de quadradinhos, e desde cedo habituado a ir ao cinema – de quando em vez – com os meus pais, acreditava no mundo encantado dos cow-boys do Far-West, das histórias do Cisco Kid, do Falcão Negro do grande desenhador português Eduardo Teixeira Coelho (que assinava Etc), de Búfalo Bill, dos filmes a preto e branco de John Ford e de outros.
Perguntei um dia ao meu avô se tinha visto ou conversado com cow-boys!…
Habitando na Nova Inglaterra, longe das pradarias das grandes aventuras, os cow-boys em nada se tinham relacionado com a sua experiência.
E lembro-me como se fosse hoje o ter-me dito que alguns cow-boys não passavam de guardadores de vacas (os rapazes das vacas) e que outros eram “uns grandes ciganões”!…
Tal explicação não deixava de ser perfeitamente realista, é evidente. Mas não é de realismos que se alimenta a curiosa fantasia de um petiz de dez anos, mais coisa menos coisa.
Vista Geral de New York com algumas das suas pontes, conforme colecção de postais ali adquiridos por meu avô
Algo me consolou saber que sempre tinha visto cow-boys, mas apenas nos fantásticos desfiles de espectáculos de circo (“as Çâkâss”, circus) que sempre suscitavam imensa curiosidade pública quando chegavam a Providence: os tais “ciganões”, a cavalo, a revoltearem o laço e com grandes bigodaças. Sobre as tais “Çâkâss” havia um detalhe que era sempre muito bem explicado, como coisa prodigiosa da América.
Todo esse mundo fantástico sobre rodas se instalava num grande espaço da cidade, fazia a propaganda através desse tal grande desfile, dava um pequeno número de espectáculos sempre à cunha de público entusiástico partindo num ápice para outras terras!…
Na América era tudo assim, fulminantemente rápido e eficaz, e havia também a história daquela ponte (julgo que em Nova York) cuja montagem fora tão intensamente planeada e organizada que colocá-la no seu lugar durara apenas o espaço de uma noite para o dia seguinte!…
Tenho a felicidade de ter um neto que é muito meu amigo. Brincamos muito, conto-lhe muitas histórias, pintamos os dois com grande alegria e fazemos bonecos que ilustram as nossas mais delirantes invenções. Revivo nele e com ele a mesma alegria comovida que sempre vi no olhar de Sebastião nos anos em que acalentou a minha mais feliz infância.
América à parte, e embora o subtítulo colocado acima demonstre que naquele tempo não se tratavam os antepassados por tu, oxalá possa o meu neto lembrar-se um dia de mim com a apaixonante alegria e o comovido enlevo com que me tenho lembrado sempre de meu avô.
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O meu tio Guilherme, o meu avô, eu e o meu primo Alfredo José Brites, segundo neto seu, em Cernache do Bonjardim, algum tempo antes de 1949.