Fotografias de J.M.F. Coutinho na Livraria Almedina estádio, em Coimbra

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lagrima

 

Publicado hoje, 15 de Janeiro de 2010, no Diário de Coimbra

Fazer fotografia pode ser um simples passatempo ou uma vaga vocação de registo de imagens marcada pelo sentido da contingência do tempo, das coisas ou dos seres.
Há, contudo, um reduzido número de pessoas que fazem fotografia como um pintor pinta, como um actor de teatro representa ou como um poeta constrói os seus poemas. Ou seja, para sobreviver. Para manter com a realidade e toda a complexidade de que ela se reveste uma ligação mais estreita, essencial e expressiva; uma tentativa de equilíbrio de forças que nos restitua aquele sentimento indispensável de pertença, de domínio, de entendimento das coisas.
Registar as imagens, por conseguinte, como tentativa de materializar impressões que merecem sobreviver e que jamais “aconteceriam” para além do seu segredo mágico, salvas da infinitude das coisas desconhecidas pelo privilégio do olhar.
O fotógrafo torna-se pois intérprete e tradutor de uma coisa imponderável, diferente e destacada do próprio objecto da imagem em si, uma transcendência nova, uma criação, em suma.
J.M.F. Coutinho é um fotógrafo que se situa exactamente nesse ponto de vista, tendo além disso o hábito de querer arrastar consigo uma quantidade de outros artistas, na senda de uma procura sem fim. Serve-se de todos os meios das modernas tecnologias ao seu alcance para fazer confluir inventores de imagens, praticando uma militância de generosidades que se torna rara na voragem de indiferenças de um quotidiano tantas vezes vencido pelo turbilhão das imagens sem sentido, pela torrente invasora do excesso televisivo, publicitário, propagandístico.
Olhando um conjunto de fotografias suas organizo o que vejo entre dois extremos tipológicos. Num deles amostras da realidade, objectos e seres nomeáveis, marcados entretanto por uma economia expressiva que os coloca muito perto do silêncio, da solidão e duma preocupação de mostrar apenas o essencial. No outro extremo a componente documental vai-se rarefazendo, dando lugar a uma visualidade pura, transformando o objecto ou a porção captada do real em exploração de texturas compactas ou densidades subtis. A luz, a água, a transparência ou a natureza palpável de objectos ainda perfeitamente identificáveis, por vezes, transformam-se em “acontecimentos” autónomos que não ouso classificar de abstractos, mas que independem largamente da sua matriz visual primária. Uma tal procura torna essencial o visível conferindo-lhe uma dimensão filosófica pela austeridade dos meios, sem lhe furtar a componente poética pela carga de “equívocos” ou de mistério que consigo transporta. No meu entender a sólida substância de que se constroem muitos dos trabalhos de J.M.F.Coutinho torna fácil memorizá-los. Tomo por isso a liberdade de os purificar da sua categoria de objectos legendados, ou legendáveis. E ao folhear as suas imagens, quanto mais olho, mais vejo. É este, penso eu, a função primordial da diligência de qualquer artista de artes visuais: dar a “ver”, de forma amplificante, uma certa captação das infinitas faces do mundo. Amplificante, no sentido em que daquela única imagem podemos extrair muitas imagens, ou muitas percepções do mesmo objecto retratado. O objecto ganhou vida própria, transformou-se numa entidade autónoma face ao próprio motivo e à sua circunstância.

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Fotografias de J.M.F. Coutinho na galeria da Livraria Almedina, ao estádio Municipal da cidade de Coimbra.

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