Seja o Teatro Grego, seja alto o verbo com que nos fala e cheios de mágico encantamento todas as imagens e seres que coloca diante de nós, as suas principais virtudes – contudo – trazer-nos-hão sempre algo do nosso próprio drama, da nossa privada e pública disputa com os deuses, de como organizamos o nosso combate com o destino dando exemplo vivo de como estão organizadas as contradições do mundo.
Se possível, quando no Teatro se ouvir o ribombar do trovão, que ele seja como o alerta de uma enorme inquietação ou o eco dum entusiasmo jamais sentido antes.
Digo estas coisas porque foi assim que as senti durante todo o espectáculo oferecido por “El Aedo Teatro” de Cádis, com largo número de assistentes juvenis acompanhados pelos seus professores que teve lugar em Coimbra, no pátio do Museu Machado de Castro, em sessão promovida pelo XII Festival Internacional de Teatro de Tema Clássico.
“El Aedo Teatro” é um grupo formado por jovens que se dedicam ao teatro clássico cujas realizações têm propósitos de interesse didáctico mas que, mais do que ler textos e colocá-los em cena, está vocacionado para pensar o teatro e organizá-lo como encontro de ideias e opções difíceis. Sentados por todo o lado, muitos dos jovens espectadores empunhavam os livrinhos com o texto clássico apropriadamente editado pelo Festival. Notei que estavam atentos e que procuravam um nexo de sequência entre aquilo que se passava no palco e que diziam os actores e o texto clássico, traduzido a preceito do grego por uma especialista na matéria.
Notei alguma perplexidade: a representação não seguia – nem à letra nem de perto – o discurso exacto contido no texto. Mas os questionamentos sobre a necessidade e a existência dos deuses, o fogo roubado a Zeus por Prometeu e oferecido clandestinamente aos homens com generosidade e sentido libertador, a própria liberdade e a sua questionável ou precária condição face aos tiranos ficavam ali vivos e palpitantes como toda a lógica da criação de Ésquilo, os seus personagens e o mesmo encadeamento cénico. A questão ver-se-ia esclarecida mais tarde, no fim da peça, quando a larga audiência de espectadores teve a oportunidade de dialogar com a totalidade do grupo, em pleno pátio do Museu.
Como se sugere acima a companhia faz uma leitura dinâmica de cada peça, utiliza obras de autores diversos sobre o mesmo assunto, e adapta aquilo que julga mais adequado para traduzir as ideias do próprio original em função do efeito dramático, da claridade da mensagem ou da sua eficácia em cena. Neste caso foi-nos dito que foram tratados textos de Eugénio d’Ors e Goethe, em obras dedicadas ao mesmo tema de Ésquilo.
“O que importa é sabermos o que queremos contar”, esclarece um dos actores.
“A liberdade não existe se o homem não a busca” parece ter sido o mais forte motivo condutor ao longo de várias cenas, ficando a pairar como um grito de angústia a denúncia terrível das vozes da negação enfrentadas em debate: “A liberdade não existe” e “Zeus é o único fogo”, ao que responde Prometeu, o encarcerado: “Zeus não existe se o homem dele não necessita, Zeus não escuta, só castiga”.
Na empolgante cena final Prometeu falou, aos homens assustados, de uma nova vida, garantindo que a liberdade existe e que devem procurá-la numa nova dignidade, em futuro que se fará presente. Um bom final embalado pela terra que treme e pelo ribombar do trovão, eco das convictas palavras de Prometeu que, embora perseguido e agrilhoado, não parece arrependido de ter oferecido aos homens o fogo, símbolo da sua libertação e pai de todas as artes.
O XII Festival Internacional de Tema Clássico assim prossegue, sugerindo-se a todos os interessados que procurem seguir a sua realização, que tem todo o interesse.
Nota sobre a ilustração:
Kylix lacónica con Prometeo y Atlas
(Museo Gregoriano Etrusco) Cerveteri. 560-550 a.C. Cerámica figurada. Alto 14 cm – diám. 20,2 cm;
Entre las demás producciones de cerámica griega figurada, destaca la cerámica lacónica, testimoniada por una famosa kylix (copa) fabricada en Esparta poco antes de mediados del s. VI a.C. y atribuida al Pintor de Arquesilas II. En ella se puede admirar una de las primeras representaciones del mito de Atlante que hayan llegado hasta nosotros. Atlas, con barba, dobla las rodillas debido al peso de la masa que tienen que sostener sobre sus hombros, al haber sido condenado por Zeus a mantener separado el cielo de la tierra. Además de su castigo se añade el de un segundo Titán, su hermano Prometeo, culpable de haber dado el fuego a la humanidad, atado a un poste y sometido al suplicio perpetuo del águila que le roe el hígado, el cual cada noche vuelve a crecer para ser nuevamente comido. La asociación de ambos episodios ha hecho suponer que este pintor se haya inspirado directamente en la Teogonía de Hesíodo, en la que los dos Titanes se describen uno después del otro.