Meninos e desenhos de Montemor-o-Velho

– Palavras para uma mão cheia de bonecos feitos  em 2012 que poderão ser vistos nas paredes do agrupamento de escolas em Montemor-o-Velho.

Três painéis pintados a acrílico s/ linhagem de algodão 2,72 m x 1,70 m, aprox.

Embora me considere genericamente impreparado para os tipos de actividade que solicitam uma interactividade criativa, colecciono na memória várias atitudes que abrem para o desejável e sugestivo espaço de encontro entre pessoas com sensibilidades e graus de experiência muito diferenciados.

Entre elas coloco a experiência de pai e avô, pacientemente habituado a envolver filhos e netos no prazer das tintas e dos desenhos, com histórias, invenções e todo o tipo de achados que esse exercício prodigaliza e de que consegui dar provas em mais de quarenta anos de paternidades, vidé o capítulo dedicado, aqui ao lado, à colaboração com o meu neto Flávio.

O convite dos jovens do grupo Olarte, composto por alunos do agrupamento de escolas de Montemor-o-Velho em trabalho de fim-de-curso, chegou-me numa altura algo conturbada de mudança de local de residência. Além disso já me sentia fora do período em que a aceitação dum tal convite parecia possível, no âmbito dos meus préstimos artísticos. Estando para mudar de casa já tinha deitado fora uma numerosa colecção de godés de vidro e de louça de que me servia no exercício da pintura, entre outros objectos e materiais.
Aceitei, contudo, em nome de um voluntarismo inseguro, baseado no tipo de argumentos apresentados pelo grupo candidato (A Carla, o Gonçalo, a Joana e a Vanessa) e não menos pela já antiga consideração pessoal pela sua professora, Senhora Dr.ª Fátima Almeida.

Carla, Gonçalo, Joana, Vanessa

Carla, Gonçalo, Joana, Vanessa

Construí na minha mente, a partir do momento inicial da minha disponibilidade, uma variedade de cenários de acção ou processos de fazer que, longe de me tranquilizarem, aumentaram o sentimento de insegurança.
Durante a primeira visita que realizei ao agrupamento de escolas de Montemor-o-Velho houve um momento providencial: o encontro com meninos criadores de uma turma dos primeiros anos em plena aula de educação visual e bem assim a descoberta de um considerável conjunto de obras – para mim a vários títulos impressionante – que iam alimentando gavetas de desenhos, de nítido pendor lúdico, candidatos a uma limpeza geral de fim de ano e quase fatalmente destinados a desaparecer por efeito do sentido prático das arrumações, esse trágico algoz de tantas preciosidades raras oriundas do gesto despreocupado e simples das crianças.
O testemunho dos desenhos “infantis”, visto pelos meus olhos, resulta numa leitura implacável e eloquente de uma quantidade enorme de sinais e situações bem dentro da lógica dos sistemas de que somos mais objecto que sujeito e cuja decifração ou ultrapassagem raramente se faz nos termos de franqueza perceptiva que esses mesmos desenhos tornam clara.
O trabalho que se seguia era simples: matéria-prima não faltava e estava construída uma ponte formidavelmente eficaz entre o deslocado universo das solicitações artístico-intelectuais e o palpitante presente das emoções juvenis.
Algo de novo ou descoberta surpreendente? Não, as coisas não são assim tão simples.
Entre o delírio de ritmos alucinantes que a televisão impõe a certas sequências e o velho sedimento de narrativas que a antiguidade clássica transformou em mitos universais há uma infinidade de linhas misteriosamente ocultas, um nexo de fábulas, impulsos e requisitos da sobrevivência e frescura da mente que são perfeitamente equivalentes. Nada que assuste os artistas, tenham eles a idade que tiverem, sejam eles do tempo dos avós ou dos netos; se falarem a mesma linguagem e estiverem habituados a decifrar os mesmos sinais, tudo é claro como água.
Depois de alguns passos dados na fabricação dos objectos a realizar e discutidos quais os temas a desenvolver foi preciso dar ao artista convidado algum tempo para concluir as conclusões entendidas como adequadas.
Só me ocorre dizer uma coisa, no esclarecimento do que acho mais importante:
O material que me foi apresentado era naturalmente singelo e espontâneo na sua confecção e estava caligraficamente traçado a lápis sobre folhas simples de papel branco. Num ou noutro caso raro, para atingir maior espaço narrativo, algumas folhas haviam sido anexadas a outras, com fita-cola.

mosaico desenhos crianças a lápis

Mosaico composto com desenhos simples sobre folhas A-4, a lápis de pau, dos meninos de Montemor-o Velho

A expressão dos desenhos dos meninos de Montemor-o-Velho, além de eloquentíssimos na explicitação de universos de densa complexidade, constituía uma captação viril, intensa até ao dramatismo, de tais sinais e de tais argumentos narrativos.

Só não vê quem não quiser olhar, quem vire o rosto para o lado e decida ignorar esses impressionantes ecos da realidade e das circunstâncias.
Na tradução e na síntese que fui levado a fazer de tal aglomerado de sinais, fui irresistivelmente conduzido a imprimir o meu próprio sentimento das coisas, à maneira das mesmíssimas atitudes que me fazem levar pela mão os meus netos através das veredas do sonho e da fantasia. (“Tradutore, traditore” e é bem certo dizê-lo neste como noutros casos em que uma mensagem muda de lábios…)

Transfigurei por isso os mais alarmantes sinais do espanto, da violência e do medo (porque é substancialmente disso que se fala nas “ingénuas” séries televisivas e revistas de super-heróis que maciçamente são prodigalizadas dia a dia às crianças deste e doutros países) e coloquei no rosto dos bonecos adoptados como interlocutores privilegiados do sonho uma fisionomia leve, um sorriso aberto, entremeados aqui e ali por aberturas problemáticas para um pitoresco de combates sem mortos nem feridos, demónios de dentuça arreganhada que empunham impiedosas armas de corte (é assim que se diz nos jogos de guerra com que risonhamente brinco com o meu neto) e uma ou outra alusão do meu próprio universo de razões, que involuntariamente se me escapou…

Tenho pois que pedir perdão aos meus queridos e novos amigos de Montemor-o-Velho, por ter despromovido o combustível de pavores de que é feita a gentil bonecada com que se encantam.

Como poderia fazer de outro modo se são tão jovens e belos, desejando-lhes – como desejo aos meus próprios netos – um futuro de risonha liberdade e um passeio pela vida que lhes sirva a paz, a confiança e a mais segura felicidade.

Agora vamos ao fruto desta tarefa (colhido depois de meses de trabalhos e encontros) :

OS ALEGRES MAGOS E PARADOX

os alegres magos e PARADOX

os alegres magos e PARADOX

SKAI DRAGON E OS ARTISTAS AUTORES

SkyDragon e os artistas autores

SkyDragon e os artistas autores

A PARÁBOLA DO ASTRONAUTA

a parábola do astronauta

a parábola do astronauta

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