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Painéis de azulejos

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Pintar azulejos, porquê?

Texto inserido no catálogo da exposição realizada pelo 2º Encontro dos Professores de Filosofia do Distrito de Leiria, no castelo de Porto de Mós

o olhar pensativo

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No pátio interior da casa da Rua do Largo de Camões em Leiria, onde vivi até aos 10 anos, 3 depois de ter perdido meu Pai, havia uma barra de azulejos com desenhos geométricos, de composição raríssima, de que nunca mais me esquecerei. É como se estivesse a vê-los agora, e a sua memória faz vibrar em mim o diapasão agridoce dos mais variados sentimentos. Se é essa sensibilidade que persigo agora ao pintar azulejos, não sei ao certo, tal é a variedade de recordações que acordam em mim esses quadriláteros cerâmicos de vidrado colorido, que recobrem paredes de casas e jardins, com a mesma luminosa vibração com que neles se reflectem os ecos de visitas feitas, de passos perdidos, e de palavras há muito, muito tempo esquecidas.

O gesto dos pintores de painéis de azulejos torna-se ágil e fluente devido ao exercício intenso da vontade e do gosto, o que não permite adivinhar as dificuldades de que se reveste. Um conjunto de azulejos acabados de pintar, com suas cores de pigmentos baços e tonalidades cromáticas desviadas do seu real valor, é como o segredo nupcial das noivas escondidas pelas religiões distantes. Só depois do sofrimento e da metamorfose será possível conhecer-se a surpresa do encantamento ou a desilusão do insucesso. O rigor do fogo e o afinar de temperaturas há muito conhecidas irão revelar a verdadeira face das novas cores, trazer à luz a interacção dos pigmentos, desfazer aqui uma ou outra expectativa, quebrar ali algumas peças.

O exercício cerâmico é, para o pintor de quadros sobre telas, aquilo que para o piloto de aviões é o voo por instrumentos: habituado a navegar à vista, é maior o risco e diferente a forma de alcançar o seu destino. A arte contudo é una, e igual o sentido da inovação e da descoberta.

Se os gestos do pintor são quase identicamente os mesmos, idêntico e tão intenso será o olhar com que nos contempla o gesto pintado, em pleno centro do rosto revelado da pintura.

Costa Brites

Juncal de Porto de Mós, Março de 2 000

barco solo

Sobre azulejos

Publicado no jornal “O Trevim”, da Lousã / suplemento cultural “Alicerce” / Dezembro de 2003

A relação que os portugueses têm com o azulejo decorativo é da maior familiaridade. Todos temos uma ideia particular do que significa e de qual o efeito que produz se colocado numa parede seja qual for. Perante o grande número de pessoas que frequenta igrejas ou visita monumentos, fica descrito um quadro de relações marcado pelo sentido de prestígio e de dignidade estético-simbólica. Para sublinhar a representatividade desse singular apetrecho das nossas artes decorativas falta mencionar o espaço que lhe é dispensado em museus, a importância de estudos e publicações que alimenta, não olvidando a realidade económica que a sua produção representa, o número de trabalhadores envolvidos, o volume de negócios, etc.

projecto painel de azulejos pª a Galiza

projecto painel de azulejos pª a Galiza

Num jardim público ou nas paredes duma vivenda particular, olhamos do longe aquela mancha azul e branca ou de colorido variado, e sempre nos parece bem, tal a vivacidade expressiva que comunica ao espaço envolvente. Peças antigas ou modernas, umas bem estimadas outras arruinadas pelo passar dos anos, umas de bom fabrico e outras de evidente mau gosto, não são iguais na sua concepção e no seu valor intrínseco. Se nos aproximamos da tal mancha colorida, se a olhamos de perto, é fácil reconhecer as diferenças entre os trabalhos realmente merecedores de melhor atenção e os outros, destinados de preferência a serem vistos de longe…Desafiamos portanto o leitor a efectuar esse exercício de classificação observativa, e esse saboroso esforço de crítica construtiva. Olhar de longe primeiro, olhar de perto depois, se for possível. E fazer um juízo pessoal que coloque a obra no nível merecido de consideração.

A defesa dos patrimónios culturais é um assunto que fornece as mais acesas declarações, onde a pessoa que fala tem sempre razão pelo que diz, mas nem sempre tem razão pelo que faz. Aqui como noutros sectores da vida pública o discurso teórico tem a reprovável tendência para se transformar numa cortina que oculta uma prática de teor radicalmente oposto. O património vivo, o das memórias ainda actuantes no gesto criador dos artistas é tanto ou mais raro e valioso que o das pedras falantes dos monumentos antigos e quer as entidades públicas quer as pessoas particulares, individuais e colectivas, deveriam estar atentas a essas fontes de entesouramento de valores perduráveis.

Um espaço ou uma parede vazia não valem o mesmo que outros onde se aplique uma obra com valor artístico sensível. E desse esforço de valorização ganha o individual e o colectivo, conforme se prova por toda a tradição da cultura dos povos.

Costa Brites

projecto Sintra

projecto de painel de azulejos, para Sintra c/ Palácio da Pena.

paisagens imaginárias

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Ver-te assim leve e nova, cidade cansada! - vião imaginária de Coimbra, Costa Brites

Ver-te assim leve e nova, cidade cansada! – vião imaginária de Coimbra, Costa Brites

Um amigo meu, tendo Coimbra como o centro do seu universo de referências, pediu-me um trabalho que evocasse a faculdade onde estudou e a cidade respectiva na linguagem singela e franca que é típica do azulejo. A respeito do painel que acima se publica (e que é apenas uma parte da totalidade do trabalho em referência) redigi, como é meu hábito, uma “memória descritiva, que faz uma “visita guiada” ao mesmo.

Coimbra, síntese idealizada:

“… apresenta-nos uma síntese de vários pontos de importância paisagística no contexto institucional, cultural e arquitectónico desta cidade. Uma tal visão organiza-se de acordo com uma certa ideia de perspectiva, colocado o observador num sítio ideal elevado, com linhas irradiantes ao longo das quais os diversos monumentos e edifícios se orientam, de acordo com a lógica de anfiteatro da própria cidade. O “Largo da Portagem”, de modo a acolher a perspectiva das traseiras de “S. Bartolomeu”, dinamiza-se num arco de círculo, concordante para o lado esquerdo com a posição da “Sé Velha”, e para o lado direito com a casa do “Governo Civil”. A liberdade da composição permite entrever alguns dos locais de passagem em que toda a cidade se encontra, além do “Largo da Portagem”, a “Couraça de Lisboa” o “Largo da Sé Velha”, a “Praça da República”, o miradouro anexo à Faculdade de Farmácia, etc.

Rangendo amarelo, Portagem além, um carro eléctrico desértico como a sua própria ausência das ruas de Coimbra, conduz-nos para onde a nossa imaginação quiser. Irá para o Tovim? Irá para Celas ou para Santo António dos Olivais? Será o 7, o 4 ou o 3?

Oscila e range ladeiras acima. Meio barco, meio carrocel é um encanto para as crianças que nele se penduram e para os amigos que podem fazer sala de estar na frescura livre das plataformas. Sim, os eléctricos, de que toda a gente gostava, uma coisa que já não há, que ficava barato e não poluia os ares… (só rangia um bocado, é certo, mas eu morei 11 anos mesmo ao lado da linha 4 e nunca acordei com a passagem do elétrico!).

No friso inferior. além de duas construções abstractas que suportam as arborescências que se erguem lateralmente ao longo da paisagem, estendem-se ondulações em perspectiva que sugerem o passar das águas do rio bem como tufos de plantas que ornam as suas margens.

De resto, não se enumeram aqui todos os componentes desta “paisagem”, dado que é um exercício que fica reservada a todos os conhecedores e admiradores da cidade, que vão ter o prazer de os identificar um a um, num pequeno exercício de memória equivalente ao vagabundear liberto por ruas, praças e ladeiras. O único elemento figurado que se observa “olhos nos olhos” e que, por isso, estabelece a linha de horizonte é o do paço real transformado em Universidade de Coimbra. Flanqueando esta perspectiva idealizada erguem-se duas arborescências laterais, com uma expressão primaveril e fundo da mesma cor que aquece o rosto do “Sol”.

"O eléctrico, um passeio de eléctrico!..." Visualidade de Costa Brites, Outono de 1989

“O eléctrico, um passeio de eléctrico!…” Visualidade de Costa Brites, Outono de 1989

O Eléctrico
um passeio de eléctrico!…
deslizar sibilante e amarelo
por sobre longas fitas azuis e curvilíneas
subindo, descendo
Carrocel como um barco!
− barco rosnando ladeiras acima
− carrocel vacilante ladeira abaixo
O sol redondo entra pelo boné sebento do guarda freio
e no banco dos tolos a rapariga das pernas gordas
é uma delícia para o rapaz da camisa branca
que segue de pé
e espreita a lua entre as rendas da blusa
e o arvoredo compacto da Sereia

Praça da República! Paragem.
“Tin-tin” diz a criança e ensina o Avô
que paga o bilhete
para dar a volta inteira
e reacender a vida
entre mulheres que carregam cestos
e senhores que lêem o jornal

O Eléctrico:
um passeio de eléctrico!…
para saltar em andamento ou subir devagar
ou pendurado como os garotos
que desenham um sobrolho carregado
na face magra do homem cinzento que cobra bilhetes

Bilhetes de eléctrico:
tiras modestas com números e letras
frágeis passaportes
e sensatos conselheiros:

“SE VIAJAR DE PÉ SEGURE-SE BEM”

Outono, 1989
“Visualidades”, Costa Brites

Um painel para Finisterra, encomendado/concebido por Ernesto Insua e imaginado/realizado por Costa Brites

 A cultura dos lugares limite, neste caso daqueles que se encontram nos extremos “onde a terra se acaba e o mar começa”, tem sido motivo de enriquecimento referencial no cruzamento de culturas, crenças e formas de arte muito diversas.
No decurso de uma conversa que tivemos Ernesto Insua e eu, no seu magnífico Hotel Dugium, lugar aprazível onde a cultura marca encontro com qualquer pessoa que esteja disposta a complementar a visita com serões de amistosa troca de ideias sobre assuntos de toda a espécie, foi referida a tradição artística da azulejaria portuguesa. Foi daí que surgiu a ideia de executar um painel de azulejos que ilustrasse alguns pontos fundamentais dessa “cultura dos fins do mundo”, para o que diversos elementos de significação foram enumerados pelo seu inventor conceptual, o Senhor Ernesto Insua.
Passo a descrever o painel de azulejos que concebi e executei, de acordo com o projecto que ambos fomos aperfeiçoando, ao longo de conversas cheias de interesse mútuo.
O elemento central de mais destacada presença é uma rosa dos ventos, objecto simbólico que preside ao sentido e à necessidade de orientação que nos domina em momentos de chegada e de partida, ao longo de viagens de necessidade ou no decurso de peregrinações empreendidas sob os mais variadas motivações.
Por natureza um objecto capaz de apontar caminhos em todas as direcções, também aqui distribui o nosso olhar, primeiramente como de acordo com os pontos cardiais, em direcção a quatro paisagens de outros tantos “fins de terra”: Fisterra, Roca, Lands End e La Pointe du Raz, na Galiza, em Portugal, em Inglaterra e na França, respectivamente.
Note-se que estas quatro paisagens estão mostradas neste painel tal como, de forma idealizada, se podem contemplar de Fisterra: o Cabo da Roca como se fosse visto de Norte, e os restantes cabos como se os olhássemos de Sul. Fisterra, ela própria oferece-nos a sua perspectiva mais amável, vista de Sul, ostentando a enseada amena que é a praia de Langosteira.
Como elemento aglutinador dessa variedade de perspectivas foram utilizados diversos grafismos directamente inspirados na arte Celta, cultura de certa forma referível à área geográfica aqui contemplada.
Esse processo vai ao encontro da ideia de “cercadura” geralmente assumida em grande quantidade de painéis clássicos de azulejos, mas que aqui foi utilizada de forma muito livre como forma organizar espacialmente ideias de difícil conciliação visual.
À esquerda em cima o “painel do peregrino” compatibiliza a sua imagem e a da concha de vieira com algumas referências à convivência entre mar e serra que o litoral galego tão abundantemente nos oferece, e de que o “hórreo” é um adereço insuperável.
Ao centro da rosa dos ventos, num espaço propositadamente concebido como alusão à forma do próprio globo terrestre, aparece essa visão distante e sugestiva “do outro lado do mundo”, sonho primeiro e destino de vida depois de tantos e tantos milhares de galegos.