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Artur Goulart e Onésimo Teotónio de Almeida – memória e partilha
Artur Goulart, Rogério Silva e Onésimo Teotónio de Almeida
Não necessito (nem me seria possível) descrever as proximidades culturais e de amizade pessoal que se desenrolaram entre Artur Goulart, Onésimo Teotónio de Almeida e Rogério Silva, recorrendo aqui ao preciosismo da ordenação alfabética dos seus nomes. Outras referências mais qualificadas e – na minha opinião – interessantemente necessárias, terão de esperar pela generosidade dos dois primeiros, porque ainda e sempre especialmente activos criativa e intelectualmente. É desses dois amigos que me têm chegado elementos informativos, imagens, etc., que nos concedem – a mim e ao meu sempre presente cúmplice Rogério Silva – efectuar um salto qualitativo no material apresentado nestas páginas.
Falando a respeito do artista e da pessoa de Rogério Silva na consideração dos trabalhos seus que tenho podido conhecer, trago aqui apenas uma leitura para uso próprio de uma totalidade truncada por muitas lacunas, percepção de certos fragmentos do caminho andado na irremediável ausência do caminhante. Não tenciono exercitar conjecturas sobre os elos que faltam ou configurar justificações para tudo o que terão decidido os acasos da inspiração, as carências do tempo, do espaço e do suporte material de que os sonhos necessitam para se tornarem ato. O intuito é encantar-me com o espólio disponível, fazer a viagem paciente de quem ama o que vê, que não é tudo o que deveria ser possível contemplar, fosse outra a realidade envolvente e fosse outro o impulso de auto-afirmação do protagonista. Em cada objecto procurarei irmanar-me com o criador deixando passar por mim o sentido da busca e, sem poder chamar-lhe meu, pressenti-lo ou adivinhá-lo como se o fosse. O impulso que o artista provoca no observador é também obra sua: mistura de ilusão e de conquista, de realidade e utopia – palavra feliz esta última por ser tão coincidente com os apaixonados projetos de Rogério Silva. A arte que ele procurou idealmente colocar ao alcance de um largo número de pessoas foi como os países que não sabemos se existem, capítulo de um livro muito bem sonhado, incompletamente escrito e só vivido pelos prendados por casualidades felizes, que entre eles me conto.
Reparando ao fim em tudo o que vi e escrevi, tenho a sensação de que fica muito por revelar e outro tanto por dizer…
Costa Brites
Lousã, Novembro de 2013
costabrit@gmail.com
Da colecção de Artur Goulart, os trabalhos mais antigos
Pela mão amiga de Artur Goulart chegou-me um conjunto de elementos, sempre raros e preciosos, a respeito de Rogério Silva, e é por eles que começo dado que documentam memórias mais antigas. “Aeroporto” oferece-nos aquele que, para mim, é o mais antigo acto de pintura de Rogério Silva que conheço. Uma aguarela (ou aguada de acrílico?…) de 1960, datada de Lisboa. Pode pensar-se que por ter sido datada, não na Ilha, mas fora dela, o pintor estaria interessado em mostrar-se tal e qual, fora da sua “circunstância”.
Aeroporto; Aguarela (?) sobre papel 50x 60 cm; 54 x 64 cm com moldura (original); assin.: R. Silva /Lisboa 1960; Exposições: “Pintura e Desenho – Rogério Silva e A. Lombega”, Museu de Angra, Março 1963 (cat. 16); “Pintura e Desenho de Rogério Silva”, Escola Comercial e Industrial de Angra do Heroísmo, por ocasião da II Semana de Estudos do IAC , Abril 1963 (cat. 8); Comprado (2.100 esc.) em Abril 1963. (Notas de Artur Goulart).
“Aeroporto” possui grande leveza poética e lógica paisagística com uma vasta área de céu assinalada por leves camadas ondulantes de cor e luz e um horizonte de alinhamentos que definem planos, profundidades, perspectivas e multiplicidade de elementos significativos impossíveis de nomear, mas à sua maneira – bastante eloquentes.
A compartimentação entre céu e horizonte, de acordo com o sentimento poético, não afirma com rigor o referencial tectónico, que é suficientemente oscilante e descontínuo para se limitar a uma função metafórica. A “cidade” é preenchida por “acontecimentos arquitectónicos” pouco afirmados, com transparências, manchas e liberdade de gestos, sem o rigor das configurações mais tardias e atreve-se, para o lado direito (o da progressão instintiva do olhar…) à congeminação de uma nave monumental com velas aparelhadas que, aparentemente, levanta voo no meio de uma grande cidade (esta foi a primeira leitura intuitiva que fiz do objecto, antes de reparar que o trabalho fora designado “Aeroporto” pelo autor, o que dá algum sentido à visão colhida).
Grande cidade, pergunte-se: À beira-mar? À beira-rio?
Não interessa, posto que a sugestão da complexidade espacial, a abundância de acentuações rítmicas e de “acidentes expressivos” estão lá, da mesma forma que iriam aparecer nas “composições” dos anos setenta, executadas na América por Rogério Silva.
Para que fique dito desde início, por ser observação confirmável através de toda a sua obra, é evidente no artista a recusa da revisitação dos temas, pelo menos em citações de índole literal. Em Rogério, independentemente do estilo e da personalidade, tudo se renova de desenho para desenho e de pintura para pintura. E até mesmo num só quadro a nota da estabilidade, da repetição e da simetria são natural e imediatamente rejeitadas, como se fosse pecado dizer a mesma coisa duas vezes, da mesma maneira.
Xilogravuras de 1963
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Começo por mostrar três obras da colecção de Artur Goulart : “Leiteiro” – “Pastor” – “Nabiça” (Tipos Terceirenses) três Xilogravuras de 54,5 x 31,5 cm c/ molduras originais Exemplares: 027/100.
Têm como característica terem sido assinadas por Rogério Silva sob o pseudónimo de Duarte Rocha (D.R.), e ainda: R. Silva 963. São marcadas por fina elegância e bom gosto e mostram três longilíneos trabalhadores da Ilha Terceira sem os estigmas frequentemente usados para caricaturar “tipos” de origem popular. Deste modo, muito embora ostentando alguns apetrechos que personificam as tarefas que exercem, mais parecem figurinos para um espectáculo de ballet ou estilizações para uma récita de teatro musicado.
De 1969 posso mostrar mais três xilogravuras que Rogério me ofereceu, edição de 50 exemplares feita pela Tipografia de “O Telégrafo” em 4 de Março de 1970.
Estão tituladas e assinadas pelo próprio punho de Rogério Silva, duas têm o mesmo título “Espera de gado, Ilha Terceira, Açores”, e a terceira chamou-lhe “”Espera de gado, embebedando o toiro, Ilha Terceira Açores”, tendo sido todas designadas como “Xilografia nº 14”. Cada uma delas, como parte da composição, integra um título que esclarece o tipismo da cena: “Ele vai aos degraus”, “Adega Lusitânia, São Pedro” e “Olha as calças”.
- Espera de gado; Ilha Terceira; Açores; “olha as calças” – Xilogravura, Rogério Silva – 1969
- Espera de gado; Ilha Terceira; Açores; “embebedando o toiro” – Xilogravura, Rogério Silva – 1969
- Espera de gado; Ilha Terceira; Açores; “ele vai aos degraus” – Xilogravura, Rogério Silva – 1969
- Legenda – Xilogravura Rogério Silva, 1969 – “olha as calças”
- Legenda – Xilogravura Rogério Silva, 1969 – “embebedando o toiro”
- Legenda – Xilogravura Rogério Silva, 1969 – “ele vai aos degraus”
- detalhe Xilogravura Rogério Silva, 1969
- Aspecto geral de cada xilogravura, com margem, legenda e assinatura de Rogério Silva e anotação da Tipografia
- detalhe Xilogravura Rogério Silva, 1969
Galeria de imagens: se não tiver acesso peço o favor de fazer “refresh” ou “reload page” (Ctrl+R ou tecla F5) clicando depois sobre uma das imagens.
NOTA: as galerias têm a vantagem de permitir o visionamento das imagens na sua dimensão original. Aberta a galeria, junto de cada uma, à direita, em baixo clicar em “view full size”.
Rogério Silva, expressão e movimento
Nestas esperas de gado, de concepção muito diferentes das três primeiras gravuras da colecção de Artur Goulart, está presente a paixão pelo movimento e pelo dinamismo, independentemente de uma sagaz economia de meios narrativos correspondente ao monocromatismo compacto e ao tipo de técnica utilizada à base de rasgos enérgicos de goiva executados com fluência curvilínea.
As figuras e situações estão caracterizadas esquemáticamente quer se trate de pessoas, de anotações arquitectónicas muito simplificadas, os degraus em perspectiva dinâmica e os pavimentos adequadamente ilustrados com sinuosidades de óptimo efeito.
Em todo o trabalho de Rogério Silva é muito fácil encontrar testemunhos desta capacidade estético-narrativa, que, com base num certo dramatismo pessoal, revela o gosto pela expressividade, tanto nos recursos desenhísticos como na utilização da cor e nas formas de aplicá-la.
Como extensão ou consequência das xilogravuras das “esperas de gado” – momento alto da caracterização anímica dos povos da Ilha Terceira – Rogério Silva regressou a esta temática já nos Estados Unidos, ainda que episodicamente, usando a técnica da pintura.
Na galeria a seguir, passamos primeiro por “Embebedando o toiro”, uma álacre revisitação das festas populares herdadas pelos Açores da ancestralidade Ibérico-Mediterrânica. Os “pastores”, aqui, apesar de ainda terem cabeça, tronco e membros no seu lugar, aparecem já animados por estilizações gráficas e cores lisas, num cenário totalmente despido de referências.
A segunda imagem, “O pastor e o toiro”, mostra animada brincadeira na qual, se não me engano, é visto o mesmo rapaz que perdeu as calças na xilogravura de 1969.
As figuras de ambos vão-se rapidamente desconstruindo, sob a interferência de geometrismos que roubam protagonismo à naturalidade orgânica do homem e do animal, prenúncio de outras temáticas que viriam a tornar-se definitivamente mais importantes na obra do artista. Trabalhos a óleo e acrílicas, expostos no Portuguese Spring Festival do Bristol Community College de 1976.
(A reprodução de fraca qualidade gráfica destes trabalhos, vistos no catálogo da exposição indicada, é feita apenas como referência aos mesmos).
No catálogo da exposição do Festival Bostonian/Portuguese Celebration de 1976, vemos ainda na galeria duas pequenas ilustrações em que um homem denodado, perseguido pelos enleios do seu próprio conflito, se defronta em desespero com seres inquietos e ameaçadores. Esta inclusão justifica-se porque é exemplo eloquente da tendência aludida em sub-título.
- “Embebedando o toiro”; óleo de Rogério Silva exposto USA/Boston e Bristol – 1976
- Rogério Silva exposto USA/Boston e Bristol – 1976
- “Moínho de Vento” óleo e acrílica de Rogério Silva, publicado no catálogo de 1976 da exposição Portuguese Spring Festival do Bristol Community College.
- “Baleias” óleo e acrílica de Rogério Silva, publicado no catálogo de 1976 da exposição Portuguese Spring Festival do Bristol Community College.
- Rogério Silva, desenho; publicado no catálogo da exposição de 1976 do Festival Bostonian/Portuguese Celebration; cores digitais Costa Brites
- Rogério Silva, desenho; publicado no catálogo da exposição de 1976 do Festival Bostonian/Portuguese Celebration; cores digitais Costa Brites
Reforçando o que disse quanto à tendência de desconstrução figurativa e liberdade compositiva aparecem ainda na galeria anterior reproduções de trabalhos a óleo e acrílicas: “Moinho de Vento” e “Baleias”.
Nestes observamos com evidência o estudo do movimento – efeito de “turbilhão” – atitude muito ligada à necessidade de RS de acentuação dinâmica, transversal a várias das suas “fases”, dos desenhos iniciais até um bom número de exemplos patentes nas suas pinturas abstractas, por assim dizer, mais “avançadas”.
Essa acentuação vai conquistando sempre novas modalidades até chegar às esplêndidas composições de maior captação espacial a que a seguir faço alusão e comentário.
Exposto mais do que uma vez, nomeadamente na exposição feita na Brown University em 1978, mostra-se a seguir um trabalho dessa fase, onde é muito clara a presença de outro “turbilhão”.
Estando completamente ausentes seres ou objectos nomeáveis, destaca-se por cima de uma cor lisa de fundo, distante e impassível, o vórtice de fragmentos muito elegantes que se expandem a grande velocidade, para cima e para diante, em obediência a uma irresistível diagonal ascendente – simbolismo apetecível de um sentido de evolução universalista e sem limites. Observemos que o pintor, não obstante o sentido aparentemente anárquico da composição – tomou precauções muito sérias da “ordenação” dos fragmentos em aceleração evidente.
Em torno de um “centro”, eixo aparente de neutra solidez, organizam-se em baixo os elementos de mais robusta estatura e cores mais densas, cujo velocidade inicial se concentra animada por vectores explicitamente coerentes. O balanço da força rotativa não tarda porém a lançá-los – cada vez mais luminosos e imponderáveis – para a órbita sem fim à vista.
Não admira que Rogério Silva, no rol dos seus títulos intencionalmente pouco descritivos, tenha reservado para esta pintura o designativo de “Futuro”. Ora vejamos:
“Futuro”, acrílico Rogério Silva, reproduzido no catálogo da exposição de 1976, Festival Bostonian, Portuguese Celebration.
Regressando aos títulos “comedidos” observamos um outro exemplo da intensidade das percepções de RS e da força expansiva (movimento…) de que estava animado o seu olhar. Vejamos a “composição” de 1974 várias vezes exposta em Bristol e na Brown, pelo menos:
“composição”, acrílica de Rogério Silva, 1974, colecção de Onésimo Teotónio de Almeida
A obra acima vem juntar-se às outras que vinha comentando em torno da ideia do “movimento”. Dirão os meus leitores que esta composição, ao contrário, torna visíveis uma boa porção de elementos de estabilidade, isto é, linhas verticais e horizontais com suporte visual numa zona inferior mais pesada e deliberadamente circunscrita, de ambos os lados, por alicerces que se aproximam do negro.
Para os observadores experimentados que são os visitantes leitores atentos destas páginas não é necessário explicar que as diagonais do plano que unem os vértices configuram a sua estrutura dinâmica e as medianas que unem os pontos intermédios dos lados opostos do mesmo configuram a sua estrutura estável. Em suma, todas as linhas horizontais ou verticais conferem estabilidade à imagem obtida; logo que uma dessas linhas se inclina para um ou outro lado, passa a criar-se tensão dinâmica, mediante as linhas ou configurações inscritas no plano, transformadas em superfícies motoras pelo operador plástico.
A mente arquitectónica de Rogério sente-se bem na configuração de espaços com lógica habitável, com hierarquia de valores, com parte de cima e parte de baixo. O artista contudo nunca elabora esses cenários sem lhes acrescentar elevado potencial energético.
Neste “futuro” encontramos abundante quantidade de vectores de dinamização dentro, fora, em cima, dos lados e através; inúmeras extremidades por onde se liberta energia acumulada na palpitação da grande torre e dos edifícios em volta.
A partir do centro e envolvendo o observador por todos os lados, há uma grande quantidade de linhas orientadas em todas as direcções, com pontos de fuga diversificados, para não dar impressão de monotonia ou unanimidade vectorial.
No último plano, do qual será obviamente possível contemplar horizontes distantes, foi construída uma formidável estrutura horizontal herculeamente sustentada por um corpo central, alto como uma torre, bem individualizado todo o conjunto na sua densidade azulada.
Os roxos, azuis e rosas desse edifício principal atribuem-lhe a serenidade do que é inamovível, fazem pensar na seriedade do saber que se casa com o sentido inovador.
O que o quadro nos mostra não é da solidez conservada, é do dinamismo prometido, do sentido da força interior.
Falta, enfim, mencionar as duas barras castanhas que, desde a parte de cima da “porta” azul que se abre no centro-direita-inferior, se estendem velozmente até bem acima do observador, de ambos os lados da parte superior do quadro.
São dois elementos que acentuam a profundidade da cena, abrindo um autêntico túnel que se projecta para o azul central. Este, por seu turno, dialoga com mais quatro janelas azuis distribuídas próximo do observador nos quatro cantos da obra, duas em cima, duas em baixo – num plano já muito próximo dele.
Não sei quantos serão os leitores deste comentário que terão a placidez observativa para acompanhá-lo, conferindo o que está à vista com a respectiva descrição.
Eu não invento nada, está tudo à vista e tudo foi pensado e reflectido por Rogério Silva.
Podia entregar-me ao prazer de continuar elaborando ideias, experimentando a solidez da modernidade aqui ousadamente liberta de mediocridade e de tédio. Mas não é necessário, basta olhar.
Nota importante:
Esta pintura, como muitas outras de Rogério Silva, tem genuína vocação monumental. De dimensões muito reduzidas para a sugestões que consigo transporta, tem condições para ser encarada como um projecto para obra de grandes dimensões, a ser instalada num grande espaço público. O seu visionamento em monitor digital permite imaginá-la não na modéstia dos seus 72,5 cm de altura, mas nos metros de altura que merecia. É essa tal obra que se encontra aqui comentada, mais do que o invejável quadro que se encontra em casa de Onésimo Teotónio de Almeida.
Diz-me Onésimo que a comprou a Rogério por ser da sua especial preferência. Julgo que nenhum observador atento deixará de lhe dar toda a razão. Quanto a mim, já que não posso acompanhá-lo na preferência, sigo-o integralmente no gosto!…
Fica já agora a assinatura do quadro e uma frase interessante do e.mail em que me mandou uma foto do mesmo:
“…É um quadro do mesmo género dos outros: acrílico. E também de 1974, o annus mirabilis do Rogério, pelo menos da sua fase americana…”
Assinatura Rogério Silva, 1974
Ano de 1974, annus mirabilis?…
Não duvido nem um pouco do que Onésimo Teotónio de Almeida afirma reiteradamente quanto à riqueza produtiva de Rogério Silva naquele ano (das grandes mudanças…) de 1974.
Os historiadores e críticos de arte dizem estas coisas na melhor das intenções, desejosos de revelar o segredo da acumulação de forças que se desenrola na mente, na alma, dessas criaturas frágeis a que chamamos artistas.
Por muito que nos demoremos buscando a raiz essencial dessa energia, por muito desejosos que sejamos de explicar tudo (e ás vezes o olhar que se concede ao trabalho artístico é tão rápido que nem dá para uma ínfima parte da sua natureza material, quanto mais para o seu conteúdo realmente profundo…) sempre fica lá muito longe a circunstância do artista, a sua paixão e as suas urgências.
De facto, a consideração que é possível dar ao volume e, atenção, à qualidade do trabalho de Rogério Silva durante esse curto período da sua existência, oferece ao rigor do critério pessoal e humano que se reveste, uma conclusão indispensável:
– O artista, repartido de forma desordenada na busca de uma consolidação mínima de vida e fatigado (exausto?…) pela invenção de um destino messiânico, detém-se numa pequena clareira da jornada, concentra todas as forças que pode reunir e… o mundo aguarda impaciente que ele dê provas categóricas e imediatas do seu génio, da sua magnânima e heróica paixão.
Pergunto: se este é o evidente testemunho dos valores que Rogério pode ter alcançado, no breve intervalo que, talvez precariamente, a vida lhe concedeu, o que não poderia ter dado se a continuidade da sua atenção fosse garantida, em clima propício e num período de tempo mais dilatado. Já não digo toda uma vida de felicidade e fortuna, que não era certamente o seu primordial objectivo, mas ao menos o suficiente para ele próprio ficar com a consciência plena e a satisfação de ter deixado aos outros o que podia e desejava ter dado.
Não estou a falar dele, que não DEU mais porque não pôde; estou a falar em todos aqueles que gostariam e mereciam ter recebido, E NÃO RECEBERAM!…
Certos artistas, distraídos impenitentes…
Do do meu relacionamento inicial com a pintura de Rogério Silva lembro três óleos – que ele mesmo me disse serem testemunho da renovação do seu gesto criativo – que, nas idas e vindas de Carlos Faria, residiram por um breve período na minha casa de memórias felizes em Ponta Delgada (“modesto segundo andar, primeiro vindo do céu…”), na Rua do Foral da Misericórdia, nesse tempo à beira de estufas de ananases e à vista da grande Serra da Água de Pau.
A passagem desses três quadros deu-se já perto do meu regresso ao continente, ficaram nos Açores e não tive infelizmente a iniciativa (o que muito lamento) de tê-los fotografado.
Quanto a fotos, estava muito longe o aparecimento das máquinas digitais do disparo fácil e da imagem instantânea e, além de dominar incompletamente a técnica fotográfica analógica, era quase avesso a acumular recordações e outros vestígios do passado.
Coisas de quem tem fome de acontecimentos principais e se julga ainda muito longe da morte…
O leitor amigo de Rogério escusa, por favor, de me increpar moralmente por não ter fotografado esses trabalhos (lá ficaram também sem terem sido fotografados – escassa perda – alguns trabalhos meus da época dos Açores…
De fotos familiares consigo repescar fragmentos dessas pinturas que, mesmo assim, servem para evocar algumas das suas qualidades plásticas fundamentais, reminiscentes de um tempo conturbado para o seu autor ou memórias oníricas de paisagens do fundo do mar. O mais pequeno teria cerca de 70 x 50 cm e os outros dois, um pouco maiores 60 x 75, mais ou menos.
As tintas eram de óleo sobre aglomerado e a técnica de execução impulsiva, quase nervosa. A sucessão de camadas era evidente, efectuando ocultações dramáticas e deixando em aberto sectores poligonais – “janelas” – de cores subjacentes, de efeito contrastante. A excessiva espessura das coberturas de maior densidade era assinalada por enérgicas acções de “frottage”, que rasgavam o corpo da tinta, tornando mais palpitante o dramatismo acima referido.
No quadro observa-se uma sombra fantasmática com um olho gigantesco atravessado por algas de ramificações cortantes e, sobrepondo os fundos convulsivos, uma estrutura de toscos elementos retilíneos − legítimos percursores das muito mais rigorosas elaborações arquitetónicas típicas do Rogério de Nova Bedford. As raspagens acima aludidas são visíveis bem como as “janelas” rectilíneas sobre fundos densos e muito agitados. (No lado esquerdo, em baixo, uma cabeça muito querida cá de casa…)
Neste outro “vestígio” do fragmento inferior de um dos quadros maiores deixa entrever-se, no canto inferior esquerdo, a assinatura de Rogério com data (talvez 69 ou 70). Lá estão também as compartimentações rectilíneas orientadas de modo perspético, cujo delineado coloca em confronto paisagens confusas.
Felizmente ficou-me desse período uma pintura que Rogério me ofereceu, executada a acrílicas e nanquim sobre papel negro. O clima apresentado, coerente com algumas das já referidas “paisagens do fundo do mar” da mesma época, regista no entanto uma vibração muito diferente das que nos dá a conhecer pela técnica a óleo.
pintura a acrílico e nanquim sobre papel negro, 49 x 27 cm, Rogério Silva , 1969
A sensação de mergulho no desenho – reforçado pela verticalidade do suporte – oferece grande variedade de argumentos descritivos, entre meios tons, tracejados e acentuações a negro de nanquim. Perante o observador desfila a irradiação dos maciços de corais, o caracolear da serpente e as crinas velozmente ondulantes do dragão…
Os títulos
Rogério fugia muito à tendência “literária” de titular descritivamente os seus trabalhos de forma a não ocupar espaço nas opções de quem olhasse e como forma de colocar acima de tudo a consideração específica do objecto estético. Por isso, bom número deles apresentava títulos completamente “neutros”, sendo o termo “composição” frequentemente adoptado. Se acima menciono as “paisagens do fundo do mar” é referência de minha iniciativa.
Elucidando o vigor narrativo das pinturas de Rogério temos a considerar o trabalho seguinte da colecção de Artur Goulart. Por comparação com os três trabalhos “não fotografados” que acima referi, da mesma época, evidencia uma execução muito mais cuidada, sem o recurso às “janelas” abertas sobre o fundo, o que afirma a auto-suficiência da visão que nos oferece:
Composição; Óleo sobre platex 70 x 120 cm; 81 x 129 cm c/ moldura (original); assin.: Rogério Silva 969. Exposições: “Temática Variada” (colectiva), Sociedade Amor da Pátria, Horta, Dezembro 1969 (cat.10); “Temas Variados” (colectiva), Clube Asas do Atlântico, Santa Maria, Janeiro 1970 (cat. 7); “Rogério Silva – Exposição de Desenhos e Pinturas”, Museu de Angra, Jan.1972 (cat. 4); Oferecido pelo autor em 1969. (Notas de Artur Goulart).
Composição; Óleo sobre platex 69 x 75 cm; 75,5 x 81,5 cm c/ moldura (original); assin.: R. Silva 74;Oferecido pelo autor em 28 Abril 1994, em Évora.
Esta “composição”, de data muito posterior às pinturas de que venho falando, representa uma mescla dos grafismos rigorosos típicos do maior número de obras “americanas” e das espontâneas vibrações tonais levadas dos Açores ainda dos Anos 60/70. Prova de que, em Rogério Silva, é evidente uma continuidade de valores estéticos e de capacidades de organização expressiva desde os seus começos em solo português, até ao trabalho desenvolvido nos USA.
O que mudou principalmente foi a atenção que pôde dedicar ao exercício das artes (sem ser em regime de exclusividade, posto que tinha que trabalhar para poder viver, ele e a esposa) e talvez a percepção de que o meio era mais propício para a exteriorização do seu próprio potencial.
(Não tenho uma ideia precisa do volume de trabalho feito por RS nos Estados Unidos mas só o número de peças que posso identificar nos catálogos, a variedade de técnicas e de tecnologias usadas, revelam um labor muitíssimo intenso, sobretudo em 1974, conforme nos diz Onésimo Almeida).
Para mim é novidade nesta “composição” o uso de cores muito variadas, a sua acentuada alacridade e os extremados jogos de contrastes.
Os diversos ambientes que se desenvolvem “em fundo” são compartimentados por elementos estruturantes mecanicamente rectilíneos. Nessas zonas as cores demonstram rapidez de execução inspirada, à trincha e à espátula, numa aproximação ao modelo expressionista abstrato que já se tornara evidente noutros trabalhos de fins dos anos 60.
A marca dominante na pintura de RS da sobreposição de estímulos expressivos, está reforçada neste caso com o contraste imposto pelos alinhamentos estruturantes que não dispensam a sua própria personalidade cromática, sendo igualmente testemunhas vivas do que disse de início quanto à recusa de repetir modelos ou de copiar-se a si próprio. Reparem que os alinhamentos estruturantes, sendo irmãos entre si, cada um ostenta um padrão e uma sinalização cromática diferente dos outros, sendo para mais – constante já apreciada e comentada antes – caracterizados por um posicionamento dinâmico, produtor de “movimento”.
As assinaturas de Rogério
No email que recebi de Onésimo Teotónio de Almeida no dia 13 de Setembro de 2013, às 17:18 h, pode ler-se:
“…Creio que não enviei a assinatura de um dos quadros.
Aqui vai. … 1974 foi um ano de grande criatividade para o Rogério…”
Abraço amigo do Onésimo
As assinaturas de Rogério Silva nos seus trabalhos parecem o fruto descuidado de um momento artificialmente acessório do trabalho criativo. São coisa enfadonha, gesto pertinaz do vício de modéstia ou clara indicação de que o que lhe interessa é a arte e não o artista – mesmo que em causa própria.
Não usa para assinar, aliás, nenhuma das técnicas de registo que a execução da obra cuidadosamente lhe merece. Adivinhamos o gesto expeditivo, o estilete improvisado a ferir a carne da pintura deixando um sinal deliberadamente baço e “nonchalant”, contraditório com o esmero da construção plástica.
Em muitos casos, no tratamento gráfico das fotografias das obras, gastei tempo e paciência para “ir buscar” a assinatura do trabalho onde se encontrava escondida, insignificante e quase deliberadamente ausente.
No plano de consideração esplêndida que Rogério Silva tinha pelas atitudes da arte, o ego era coisa de somenos – atitude que a sociedade tem dificuldade em compreender e muito raramente leva em consideração.
Assinaturas Rogério Silva
O material que Artut Goulart me enviou não se esgota com o que fui publicando aqui, havendo catálogos de exposições com textos interessantes (nove catálogos de exposições com textos e algumas reproduções que exigem tratamento gráfico), ficando aqui uma mensagem que me enviou e que me autorizou a publicar:
Meu caro Antes de mais os meus parabéns pelas belas páginas na net dedicadas ao Rogério Silva. Ele merece.
Grande amigo com todo aquele grupo da Gávea com quem muito colaborei, sobretudo quando era chefe de redacção do jornal “A União” e se publicava o suplemento Glacial.
Tenho pensado há muito tempo enviar-lhe fotos e os dados referentes aos quadros que tenho do Rogério, mas foi passando entre tanta coisa e esquecendo. Agora, finalmente, vai em anexo uma tabela com os quadros e os dados técnicos mais importantes. O último quadro foi-me oferecido já em Évora, em 1994. Era eu então director do Museu de Évora.
O Rogério apareceu-me com o David Almeida e no âmbito da geminação Évora-Angra do Heroísmo, propunha-se fazer uma exposição de gravuras de Angra com a mostra das matrizes originais em madeira. Fomos falar com o responsável da Câmara de Évora e foi tudo acertado, faltaria apenas formalizar oficialmente o pedido entre a Câmara de Angra e a de Évora. Fomos inclusivamente ver o espaço a isso destinado. Nessa altura, antes de partirem para Lisboa, o Rogério ofereceu-me o seu quadro. Envio-lhe fotos melhores dos quadros e assinaturas, e uma série de catálogos em que o Rogério aparece mencionado. Talvez tenha outros, mas inda não os encontrei no meio de tanto livro e recordações.Grande abraço
América, América!…
No dia 17 de Julho deste ano de 2013 comecei a receber de Onésimo Teotónio de Almeida mensagens com imagens de trabalhos de Rogério Silva. Entre mensagens trocadas se passaram as férias (quais férias?…) e muitas figuras de quadros andaram a passear à velocidade da luz de um lado para o outro do Atlântico (quer dizer, do mar dos Açores) à procura da melhor versão, do melhor vento, da mais carregada dose de iodo. As duas primeiras chegadas foram alcançadas pela diligência de Onésimo em casa do seu amigo e professor José Enes, que Deus tenha em bem.
“…Não tinha condições para fazer fotos dos quadros do Rogério que ele tem, mas ainda assim apanhei estas imagens provisórias. Seguem três fotos: um tríptico angrense do Rogério Silva; um dos quadros do tríptico – a “Rua das Minhas Terras”; uma pintura abstracta do mesmo Rogério. Tirei-as sem condições de luz e disse à Fernanda Enes que um dia terei de fazer umas decentes. Mas assim ao menos posso ficar com imagens dos quadros até surgirem fotos melhores…”
Um abraço do Onésimo
Este trabalho entrou de rompante pela porta da minha surpresa por ser uma primeira incursão nocturna das visões de Rogério.
Serigrafia, desenho ou “pintura abstracta” como lhe chama Onésimo, não sei ao certo, mas tanto monta. Sonhos inquietos, fundões pelágicos, o olho lunar de certas aparições, espaços de uma lisura harmónica elegantemente harmonizados, já tinha visto de tudo. Mas uma noite assim, noite em metamorfose invadida pela alma perpendicular da luz é uma inaugural de um de muitos Rogérios que não conheci e que poderia certamente ter viajado mais caminhos e ter feito outras revelações.
Vejamos: a noite oculta de sombra espessa vai sendo empurrada para a frente pela luz perpendicular, que avança decididamente. Atrás afirma-se a noite multicolor com as cúpulas vibrando mais nitidamente pelo ganho de claridade e no encontro sempre estimulante entre linhas rectas e ondulantes. Nos negros interiores que se espreitam longe, fragmentos estelares; a bolinha azul alegre é prenúncio de dia claro e o sol negro é o vestígio das dúvidas ainda não completamente esclarecidas, mas já animado de cintilações promissoras.
A noite oculta de sombra espessa fica cada vez mais escondida, avança cada vez mais para fora do quadro onde o tímido vidente/artista arruma o sinal da sua identidade e o ano da visão: Rogério Silva 1971. O vidente/artista é tímido, sim, mas não se esqueceu de animar o lado da noite soturna com um pequeno frontão cinzento claro, onde registou seu nome com data. Cuidado: o cinzento já fora colocado antes como elemento imprescindível de um equilíbrio plástico indispensável. A assinatura veio depois; veja quem tiver olhos para ver. A pequena luz azul é da mesma cor que as outras manchas azuis que se exibem nos compartimentos da noite incluindo as do bosque frio de criptomérias que desfila em baixo. Mas parece mais soturna; travestida pela ilusão de óptica, não foi libertada ainda do peso das sombras.
(Visita assídua de medos de todos os tamanhos e feitios, nunca tive medo das coisas que assustam as outras pessoas, a escuridão da noite, a morte e outras coisas assim do medo mais básico, mais antigo. Só o medo das ruas, das muitas gentes vociferantes, da inveja e da pressa me metem medo de verdade. Mas adiante.)
Uma noite como esta de Rogério Silva vem dar-me razão: não é a noite que mete medo se a luz desfilar por ela dentro, transfigurando o negrume frio em azul profundo, multicolor.
A noite é o berço, o infinito dos seres seguramente existentes e de tudo o que não viajámos ainda e pacientemente nos espera.
Olhem por tempo suficiente a gravura, pintura ou desenho de Rogério. Olhem, olhem com serena atenção e sentirão pelas arcadas, pelas cúpulas de cristal e pelos bosques gelados de azul aproximar-se a música cada vez mais intensa da metamorfose das sombras frias; quem tiver ouvidos para ouvir, que oiça.
Os prodigiosos desenhos de Rogério Silva
- “Esquecendo tempestades”, desenho original, a negro, de Rogério Silva; cor digital Costa Brites
- “Esquecendo tempestades”, desenho original, a negro de Rogério Silva, acentuações cromáticas, Costa Brites
- “Imigrantes divididos” desenho de Rogério Silva – concebido para ilustrar o livro “Hey… Hey… portugee” de Heldo Braga
- poesia Heldo Braga, do livro de sua autoria “Hey… Hey… portugee” (poesia publicada em 1977 no catálogo da exposição de Rogério Silva na New Bedford free Public Library)
- “composição”, desenho, Rogério Silva
- “Garça voando em agonia”, desenho de Rogério Silva
- “Garça voando em agonia”, desenho original a negro de Rogério Silva, cores digitais de Costa Brites
- “Garça voando em agonia”, desenho de Rogério Silva, cores digitais de Costa Brites
- “composição”, desenho original a negro de Rogério Silva; cor digital Costa Brites
- “composição”, desenho original a negro de Rogério Silva; cor digital Costa Brites
- “composição”, desenho original a negro de Rogério Silva; cor digital Costa Brites
- “composição”, desenho original a negro de Rogério Silva; cor digital Costa Brites
- “composição”, desenho original a negro de Rogério Silva; cor digital Costa Brites
- “Choro de baleias e homens” desenho de Rogério Silva
- “Choro de baleias e homens” desenho de Rogério Silva, cores digitais de Costa Brites
- “Choro de baleias e homens” desenho de Rogério Silva, cores digitais de Costa Brites
Galeria de imagens: se não tiver acesso peço o favor de fazer “refresh” ou “reload page” (Ctrl+R ou tecla F5) clicando depois sobre uma das imagens.
Já há muito que faço experiências de observação analítica de alguns desenhos de RS. Para dar uma ideia mais aproximada, são autênticos mergulhos. Aproximo-me, avalio o conjunto e, a certa altura, começo a ser arrastado para dentro do desenho. A utilização das novas tecnologias permite isso, e leva observador – longe do objecto – para mais mais perto da sua vocação descritiva.
Alguns desenhos de Rogério (e o não serem numerosos é culpa da sociedade distraída e desastrada onde cresceu) têm um potencial esclarecedor dos dramas dos homens dos Açores, quer seja dos que vão para o mar com bravura, quer seja dos que ficam em terra dispensados do medo das ondas.
O que encontro nesses mergulhos é a explosão teatral de simbologias em variedade de soluções estéticas. Também a divisão, a cobiça, a embriaguez sonolenta das tardes dos Domingos vazios, o poder da indústria, o pio das aves, a luta dos peixes de todos os tamanhos e a distância do mar.
Um mergulho nesse tecido complexo fez nascer em mim o desejo de neles entrar desmontando os órgãos componentes, diferençando planos e perfis à procura de energias ocultas.
Os receios que tive de ultrajar originais duraram pouco. A tentação foi mais forte e agora não posso parar.
Porquê? Se tivesse poder e mais vida, iria para os Açores, procurava paredes altas e cansadas de monotonia húmida e começava a transformar em murais desenhos de Rogério.
Uns que fossem a tradução literal de trabalhos feito por ele e outros citações e combinações dinâmicas de ideias por ele abordadas. Usando as técnicas e as tecnologias que melhor me apetecessem.
Um sonho desses tem legitimidade artística e cultural, daria vida a paredes vazias, animava os adultos e ilustrava a alma da juventude.
Sonhar é fácil, por isso me animam ás vezes sonhos ingénuos. Como vejo impossível que alguém faça coisas assim em paredes açorianas; faço-as eu aqui no computador.
Para outros – ainda que por breves instantes – poderem sonhar o mesmo sonho que eu e – já agora – verem Rogério pelos meus olhos. Para esse efeito abri logo de início destas páginas um sector do menu com esse título: O Rogério Silva visto pelos meus olhos. É lá que explico melhor a atitude,
… e Rogério pede que me despache
O trabalho muito empenhado e feito com muito gosto que aqui estou a apresentar-vos já vai longo. Estes últimos meses têm sido um pouco conturbados por razões de saúde de minha mulher e outras responsabilidades familiares e pessoais me têm mobilizado noutras direcções.
Se tivesse outras condições subia um destes dias as escadas de uma aeronave dessas que passa aqui por cima deixando um longuíssimo rasto de luz pesadamente poluidora (milhares e milhares de toneladas de oxigénio consumidas por dia… – desculpem lá o aparte) e ia passar uns dias aos Açores e outros tantos à terra dos grandes amores do meu querido avô (Providence RI), Nova Bedford, etc. em busca dos vestígios de Rogério Silva.
Sonhos pouco práticos e quase impossíveis são o meu forte, como estão a ver.
Começar a acabar este capítulo destas páginas, contudo, não é um sonho impossível e, como não estou a coroar nenhum mestrado nem a defender tese, estou só a falar com amigos a respeito de outro grande amigo, vou tentar ser lesto e reunir da forma mais simpática possível o resto do bastante que tenho aqui ainda guardado para isso.
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- serigrafia de Rogério Silva, 1987
- serigrafia de Rogério Silva, 1987
- Composição “Baleias” desenho 75×60, Rogério Silva, exposto no Museu de Angra em Janeiro de 1972.
- serigrafia Rogério Silva 1974, col Onésimo T. Almeida
- assinatura da obra anterior de Rogério Silva, 1974
- serigrafia 74,7 cm X 73,7 cm Rogério Silva 1974, col Onésimo T. Almeida
- acrílico s/ aglomerado, 72,5 cm X 57cm, Rogério Silva 1974, Col. Onésimo T. Almeida
- Assinatura Rogério Silva, 1974
- Assinatura Rogério Silva, 1974
- acrílico s/ aglomerado 74,5 x 74,5 ; Rogério Silva, 1974 – Col. Onésimo Teotónio de Almeida
- acrílico Rogério Silva, 1974, col. Onésimo Teotónio de Almeida
- “composição” Rogério Silva, 1974, exposta pelo menos em Boston e Bristol em 1976
- assinatura trabalho anterior de Rogério Silva
- pintura Rogério Silva, reproduzida da capa do catálogo da exposição de 1977 feita na New Bedford Free Public Library.
- pintura Rogério Silva, 1987
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Correspondências entre dois amigos a respeito de outro, sempre presente!…
e.mail para Onésimo Almeida 13 Setembro 2013, 11:23
Caro Onésimo,
Muitíssimo grato pelo entusiasmo e pela preciosa assistência a esta tarefa.A respeito do QUADRO AZUL:
Ontem ao serão, depois de deitadas as crianças (isto inclui a minha mulher) estive aqui com o Rogério a repintar o quadro azul. Gozámos que nem uns perdidos. Se as almas tristes que andam por aí esgotadas em paraísos fatigados sem destino nem norte soubessem do prazer sem limites duma camaradagem destas e da substância de horizontes interiores das vespertinas cidades azuis… era tudo muito melhor.
Isto é passear, mesmo!… lá por dentro dessa cidade, cruzar as praças, escalar os arranha-céus, avaliar os esconderijos, mergulhar nas fontes e ouvir música nos auditórios. Ninguém calcula.
Acordei de manhã vendo a face branca do Rogério, o seu gesto de dedos redondos, escutando a voz suave segredando-me estratégias de arte num discurso sereno de suportes fabricados à mão (os nossos suportes, outra coisa em que tanto também nos igualámos!…).
a noite mais difícil de sonhar, aquela em que Scherazade poderia ter adormecido sem dar conta…
Uma das capacidades mais genuínas do artista é de entrever mundos utópicos onde reina não a perfeição sem custos nem a serenidade preguiçosa, mas onde se desenha um cenário no qual a felicidade inesperada se torna plausível, porta aberta para verdades libertas de vulgaridade. Hoje vou sentar-me ali, entre ritmos de cristal e frágeis molduras descontínuas de cores quentes. Amanhã vou refugiar-me no quarteto de jazz do bar violeta. No outro dia atravesso a alameda silenciosa, o seu sólido corpo cinzento-saudades-de-lilás. Na praça dos triângulos negros descolam a pique as flechas destinadas ao infinito azul.
Uma resposta de Onésimo Almeida:
(…) Por aqui tenho feito outras diligências para ver se consigo tudo o que há do e sobre o Rogério.
(…) Indaguei junto do Portuguese Times, em New Bedford. Dizem-me que talvez haja alguma coisa. Terei de passar por lá. Mas sei que lá há umas gravuras a preto e branco que me parece não estão ainda fotografadas. E lembrei-me de escrever ao João Afonso, que ainda vive em Angra. Era grande amigo do Rogério e, quando vinha a New Bedford, ficava em casa dele. Vamos a ver o que ele lá possa ter.
A memória do Rogério vai ficar bem servida (…) Um abraço do
Onésimo
Outro fragmento:
“…E agora confirmo eu que de facto o Rogério preparava os suportes. Quanto mais me embrenho nisso mais reentro no atelier dele onde ele tinha tudo isso e me falava. Mas quando trabalhava, fazia-o sozinho, completamente concentrado…”
“…Hei-de então agora tratar de lhe enviar imagens das outras três serigrafias a preto e branco e o meu amigo José Costa também tem uma que eu não tenho.
Vou ainda procurar saber se por aqui haverá mais gente com quadros do Rogério…”e.mail de Onésimo Almeida de 13 de Setembro de 2013; 17:50
Caro Costa Brites,
Tenho aqui em casa mais um do conjunto de quatro gravuras que se destinavam a ilustrar o livro do Heldo Braga e para o qual eu cheguei a escrever o prefácio mas nunca se publicou.
(…) O título deste é “Choro de baleias e homens” e é do mesmo tamanho de “Imigrantes divididos”, que sei que tem pois está no website. O número do meu é 6/200.
Logo que possa vou tirar as medidas de outros dois que enviei por estes dias. Abraço.e. mail de Onésimo Almeida 13 de Setembro, 17:43
Caro amigo,
O quadro “O Castelinho” (hoje uma pousada em Angra) que tenho aqui na sala, também é desse grande ano de 1974. Mando aqui o pormenor da assinatura e segue também o quadro para mais fácil referência.
Parece-me também acrílico sobre platex.As medidas são: 74cm X 44,2cm.
Outro abraço.
A respeito da gravura logo abaixo reproduzida, e.mail de Onésimo de Almeida:
Meu caro JCB,
“…Em tempos enviei-te a foto de uma serigrafia que tenho aqui em casa intitulada “Angra, Açores”. O número dela é 4/24. As medidas são 68,5cm X 48,25 cm. A mancha da gravura: 49,5 cm X 31,75 cm…” Abraço. Onésimo
resposta ao e.mail anterior que cheguei a redigir (mas não enviei, porque era demasiado comprido e complicado…):
“…Junto envio a primeira “aproximação” da peça fotografada por ti segundo as instruções prévias (lindamente executadas) e, conforme prova anexa, logo me dirás….
Só tenho uma dúvida. O trabalho do nosso querido amigo (de uma sumptuosa atmosfera carregada de mar e mistério à hora em que as nuvens cumprem a sua promessa de ocultação…) …é de grande subtileza de tonalidades. O que te mando pode parecer “duro” em relação aos contrastes abatidos que oferece o original. Diz-me por favor se devo abater o efeito de contrastes. Vão duas versões – qual a que melhor serve o objectivo?…
A margem inferior com a assinatura, por efeitos do processo gráfico, não aparece nesta fase, mas não foi esquecida…”
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Das remessas de Artur Goulart
catálogo da exposição de Rogério Silva no Museu de Angra do Heroísmo em Janeiro de 1972
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Complementando o que disse acima vem a talhe de foice colocar aqui também imagens de desenhos admiráveis incluídos num catálogo de uma exposição de Rogério Silva no Museu de Angra do Heroísmo em Janeiro de 1972. Como é (já justificado) hábito, para conferir à modéstia de suporte do catálogo a preto e branco a enorme emoção que cada uma destas obras desperta em mim, junto resultados da “observação em profundidade” com variados realces cromáticos, como os que tenho “perpetrado” noutras obras, com o que sinto ser a risonha “anuência” de Rogério. Quem quiser leia com aspas, quem quiser pode tirá-las…
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Nota relativa às fotos de abertura:
Artur Goulart, Rogério Silva e Onésimo Teotónio de Almeida
A de Artur Goulart foi vista na internet, a cores. Depois de a ter colocado como está, ocorreu-me a ideia de fazer o mosaico. A de Rogério é um fragmento de uma fotografia tirada por um amigo à entrada da sala do Ateneu Comercial de Ponta Delgada quando Rogério estava a trabalhar ali na instalação da minha exposição. A foto não era utilizável porque o flash estava reflectido nas lentes dos óculos. Quando das primeiras publicações nesta página, reconstruí os dois olhos do Pintor, o que não é nada fácil, mas menos mal porque utilizei olhos dele mesmo pescados noutra fotografia. A foto de Onésimo Teotónio de Almeida, que tive de reduzir algo, foi feita por Miguel Lopes para o Expresso e publicado numa entrevista por Carlos Leone em 17 de Janeiro de 1998.
Comentário de Onésimo Teotónio de Almeida:
onésimo 24/11/2013 às 19:29
Caríssimo,
Deixa-me dar-te um bem grande abraço por esse magnífico trabalho. Estou no Porto e daqui a pouco saio para o aeroporto a caminho de Lisboa, mas aproveitei este espaço de tempo para ler tudo com calma.
Extraordinário trabalho de paciência, minúcia, dedicação e respeito pela memória do nosso querido amigo Rogério.
Bem hajas! O Rogério ficaria comovido e, na sua imensa modéstia, diria: o que conta é a arte!
Não é – feliz ou infelizmente. Mas ele era de um outro mundo.
Muito e muito obrigado por toda esta recomposição. Não sei mais que te dizer a não ser multiplicar os adjectivos encomiásticos.O abraço do
onésimo
Mensagem de Artur Goulart
19:30:
Meu caro amigo
Obrigado por mais este esforço e boa realização pela divulgação e homenagem ao Rogério Silva e à sua obra. Creio que está excelente e que o Rogério ia gostar, apesar de ele não se preocupar com os encómios. Mas merecia-os e continua a merecer que esteja presente e seja conhecido.Vou divulgar.Grande abraço
Artur Goulart