Paisagem Urbana

a organização do espaço é um acto vital
a civilização do espaço é um acto cultural
o espaço funciona enquanto não falta
vive-se, enquanto o feio não dói
o próximo ama-se, enquanto não colide
a colisão é a janela partida,
o espaço que falta, o feio que dói
o acto vital em repressão ou recalcamento
a cultura ausente

o espaço, pinta-se?
é cultural, viver?
e o património, é essencial?
o que é essencial?
o ar? a água? o caminho livre? a música?

qual o dever do pintor perante os outros?
qual o dever dos outros?
tem deveres, o pintor?
e os outros?
poderão viver na cidade sem espaço
sem música, com águas sujas, com ares azedos
sem deveres, sem direitos, sem os outros, sem o pintor?

e a arte, como é? o que é?
quem a produz? quem a deseja?
é essencial? é moda? é património?
é uma meta? é um trampolim?
e onde é que vamos pô-la?
em cima da mesa? no meio da rua? no bolso?
produz sensibilidade, a arte?
produz inteligência?
qual a fábrica donde saem essas coisas,afinal?

in “Visualidades”, Costa Brites, 1993

A arca de Noé, tela solta 1,65 m x 2,16 m, Costa Brites, 1998

A arca de Noé (o painel de todos os bichos…), tela solta 1,65 m x 2,16 m, Costa Brites, 1998

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Sofia

Para abrir a galeria, é favor clicar no primeiro desenho e depois na seta do lado direito para fazer avançar as imagens..

o que aqui vos mostro…

o que aqui vos mostro não é uma paisagem, nem uma visão traçada a olho de pássaro de um ponto no mapa, com nome, história e coordenadas geográficas. O que aqui se vê é o cenário pressentido de mil encontros ou dez mil desencontros, pressupondo naturalmente que uma coisa seja mais abundante que a outra, porque mais rara de alcançar por quem recebe e mais difícil de construir por quem oferece. Os detalhes, os objectos simbólicos, o lugar donde se espreita a fuga, o achado, a cobiça despropositada e o desejo triste são impossíveis de ver à lupa do sentimento claro, estando quem vê repousando somente no parapeito rápido e indiscreto da casa que não é sua. Ninguém vive ali. Ninguém está ali com vagar de ver, mesmo que tenha o tempo de olhar. Olhar tão lentamente, olhar tão devagar por um espaço tão enorme de tempo que permita colecionar na lembrança tanta ingenuidade pitoresca, tanto defeito de obra, tanta carne saturada do verde musgo das paredes velhas. Ver é sempre depois. Ver é a pequena parte que sobrevive das imagens inventadas. Eco. Reflexo. Achado precioso da lembrança.

Costa Brites, Março 2013

219-Sofia-grafite

Alta-Rua da Sofia, desenho a grafite, 1994 Costa Brites

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