Tag Archives: escultura

Armando Martinez – Conjunto escultórico megalítico Mealhada

Sete blocos de pedra com formas petroglíficas formam um círculo mágico com seu portal virado a nascente. Na face exterior, o lado terreno, definido por elementos esculpidos em alto relevo, são a ligação do homem à mãe Terra, iluminada pelo Sol.
Na face interior, o misticismo, representado por figuras de deuses em baixo relevo que caminham na Terra sob o obscuro mistério da Lua. O círculo mágico encerra dentro de si uma mesa… Mesa mágica de agradecimento pelas dádivas ao universo e à vida…

Mealhada 21 – 06 – 2010 (placa identificativa da C.M. da Mealhada)

8320 a
NOTA:Este projecto, de autoria de Armando Martinez, foi executado por ele próprio, com a colaboração de três escultores seus amigos: Fernando Martins, Santos Carvalho e Xico Lucena.

.

Do druidismo e da cultura céltica, do coração antiquíssimo da idade da pedra, vem visitar-nos a sugestão de um espaço diferente de todos os outros, mescla inventada por um escultor habituado a calcorrear serras em busca de fósseis de todos os animais desaparecidos há milhões de anos, pedras ornamentais, blocos maciços de pedras duras ou duríssimas de todas as cores e consistências, picadas à mão com esforço doloroso ou cortadas à máquina, conforme a altura, a espessura e a tonelagem.
Espaço diferente de todos quer dizer: espaço igual apenas a si próprio, inventado pela sugestão de tempos apenas imaginariamente concebíveis, feitos por homens que apanhavam animais ferozes à mão, que se protegiam do frio com as peles curtidas desses animais e que acabavam por desenhá-los um dia na pedra, como desenhavam o sol ou a lua, a vulva materna fundamental, o guerreiro, o caçador, o gamo, os peixes e todas as coisas principais, com perfil de antemão concebido para enfrentar milénios.
Tais homens existiram e deixaram sinal de si como talvez muito poucos agora consigam fazê-lo, emaranhados no novelo da multidão confusa de tudo o que não pára na cabeça, porque não descansa no olhar tempo suficiente e não ganha direito ao silêncio merecido pela contemplação íntima.
É preciso talento sentimental de humanidade para sonhar vidas como essas, diferentes de tudo que podemos imaginar no precipitado quotidiano destes dias. É preciso uma enorme ternura de solidariedade, um poética energia da memória, e a vontade de viajar no tempo quem sabe, para nos lembrarmos lucidamente do que fomos nós mesmos nessa remota fúria original.

Armando Martinez - Conjunto escultórico megalítico Mealhada

Costa Brites e Armando Martinez


Os meus parabéns aos cidadãos da Mealhada

As minhas felicitações ao povo da Mealhada são a resultante da visão apreciativa que me mereceu uma obra do património monumental doravante entregue à utilização de todos que ali vivem.
O monumento está ali, desafia o olhar de quem observa e responsabiliza também o cidadão que passa. Se é notável na sua concepção, se está bem enquadrado na natureza organizada pela mão do homem, deve ser estimado e, mais do que isso, deve merecer um comentário. A indiferença dos cidadãos pelas obras públicas que favorecem a sociedade de forma objectiva, contribuem para a desmoralização de quem as imaginou, realizou e promoveu à condição de objectos reais.
Tendo buscado na internet (que é onde está tudo) não consegui saber a respeito dessa certa obra monumental nada mais do que o trivial das declarações de inauguração política, em fraca notícia mínima. Esta pobre documentação de uma peça monumental é aliada muito útil da indiferença dos cidadãos. Se a obra tem valor, se foi erigida com consciência e determinação, o esclarecimento deve estar presente de forma explícita e o recado da sua importância deve ser redigido antes − de modo que, passando por ela um grupo de crianças e de professoras, não a tomem como imprestável ou ausente.

A porta aberta para o nascer do Sol

A porta aberta para o nascer do Sol

Parabéns pois aos cidadãos da Mealhada porque dispõem, num sítio espaçoso e muito belo, de um lugar óptimo para fazer congressos, ou convénios, ou festivais, ou qualquer outra coisa destinada a amantes da visão retrospectiva da longuíssima aventura dos homens sobre a terra.
Fiz o meu juizo, tirei as fotografias, mostro-me com gosto ao lado do artista, cumpri o meu dever de cidadania da sensibilidade. Espero agora que todos os cidadãos da Mealhada cumpram a sua parte. Apreciando o que deve ser apreciado, vivendo a vida com gosto, tomando o Sol ou uns pingos de chuva que também faz falta, passeando com os amigos ou com a família, ou solitariamente se assim for desejável e propício à temperatura da alma, deixando o coração bater ao ritmo que puder com a serena consciência do prazer de estar e de ser.

Armando Martinez, escultor

Armando Martinez, escultor

Armando Martinez, a “pedra-mãe” e a alegria sem fim da viagem

O artista que escolhe a pedra como meio favorito de trabalho tem de ter, além da cultura e da sensibilidade respectivas, algo de mais enérgico, ou mais antigo, que o sólido saber necessário a todas as disciplinas da criação artística.
A escultura de Armando Martinez reflecte a experiência viva de contactos com a ampla diversidade do material lítico, e atestam o sentido de ofício que liga qualquer escultor de pedra à crepitação de antiguidade e aos metamorfismos da formação das rochas.
Ouvi-lo contar histórias de fósseis e blocos de pedra descobertos, mencionando o seu nome e a sua abundância, situa-nos algures entre o cenário imenso e mitológico das montanhas e o labor industrioso e poeirento das pedreiras donde saiu a matéria de que são feitas as catedrais.
Sem espaço para poder trazer-vos aqui um estudo sistemático de toda a sua obra, espalhada ao longo duma activa carreira internacional, iria referir principalmente o predomínio dum sensualismo sólido e fundamental, em sínteses regidas pela moderação e pela economia de meios.
A pedra esculpida permanece, apesar de esculpida, como forma simbolicamente compacta à flor da qual se desenvolvem configurações humanizadas, geralmente surpreendidas no gesto protector do abraço, no esforço titânico da maternidade ou no apelo fundamental da paixão.
É acentuada a modernidade sintética de formas opulentas, de cunho por vezes megalítico, apenas reduzidas no seu impacto por serem concebidas desta feita como trabalhos de reduzidas dimensões e mais fácil apresentação.
Noutro tipo de esculturas a forma alonga-se na perpendicular, atingindo o esquematismo totémico dum grito agudo de pedra, onde as mesmas sugestões de referência sensual e afectiva podem surgir, umas vezes de forma quase explícita, outras vezes mais francamente abstractizadas.
Em elevado número de obras é posta em evidência a variedade expressiva do material, que chega a incluir espécies rochosas muito raras, sendo habitual o contraste simultâneo de zonas lascadas e outras polidas.
Artista que viaja intensamente, mantém acesa a chama dum sentido de convivência que tem produzido frutos no estreitamento de laços entre Portugal e a Galiza.
Presente em largo número de obras públicas no seu país natal e em diversos outros, da Itália à Escócia, tem também um largo número de obras em jardins e praças portuguesas, numa clara demonstração da sua energia comunicativa, em tudo compaginável com o génio irrequieto do povo Galego, que connosco partilha a irrequietude insatisfeita de trota-mundos, fura-vidas descobridores e empreendedores de torna-viagem.

Costa Brites

Armando Martinez, escultor
Publicado Diário de Coimbra 3 de Dezembro de 2002,  por altura de uma exposição de Armando Martinez na Casa Municipal da Cultura em Coimbra

Museu do Vinho da Bairrada, em Anadia, visita temática e exposições temporárias, a não perder

.

prospecto do Museu do Vinho da Bairrada

prospecto do Museu do Vinho da Bairrada

Esta notícia foi publicada no Diário de Coimbra de 2 de Dezembro de 2008

.

Se o leitor se interessa por motivos de natureza cultural e não está a pensar deslocar-se em breve a Anadia, acho melhor que mude imediatamente de ideias. O tão conhecido consumismo faz as pessoas viajar muitos quilómetros (se preciso for, de avião) não levando em conta coisas aqui tão perto e de tão grande valor. O Museu do Vinho da Bairrada é um centro cultural de elevado nível, dotado de arquitectura notável, espaços e infra-estruturas muitíssimo respeitáveis alojando, para além das visitas temáticas permanentes que propõe em conceito de modernidade e avanço tecnológico, um programa sustentado de valiosos acontecimentos temporários, três dos quais tenho o prazer de comentar hoje, muito resumidamente. De autoria de artistas originários da região da Bairrada, criativos que a si mesmo se intitulam “os Eugénios” (Fernando Jorge, Luís Gamelas, Luís Santiago, Augusto Formigo e Eugénio Moura Inês) temos as “Eugeniaturas”, 70 caricaturas de individualidades diversas, oriundas quase todas do âmbito nacional lisboeta, onde vivem e prosperam os raros portugueses que fazem e dizem coisas, que “aparecem” na televisão e que são, enfim, mediáticos. O modo como esta exposição está montada constitui uma obra por si só, pela originalidade de contextualização dos diversos grupos de trabalhos, à qual não falta a particularidade de duas caricaturas (oh, céus!…) penduradas num edifício lá fora, longe, as quais têm de ser vistas… de binóculo!… Tal excentricidade não peca por excesso, antes condiz com a inteligência criativa e sentido de humor em evidência, que é o que se procura transmitir.

02-Gustavo-Fernandes

“To play for time”, 117 x 286 cm, óleo s/ tela, de Gustavo Fernandes

Passemos em seguida à exposição de pintura e fotografia que assinala os 25 anos de carreira de Gustavo Fernandes. O conjunto de obras expostas é de uma intensa maturidade técnica, afirmando uma filosofia muito particular do objectivo e do subjectivo. O primor das execuções e o seu encadeamento simbólico configuram uma visão mais que do tecnicista, psicanalítica. A terminologia vulgar ou as categorizações de escola ficam aquém do que é dado a ver. Nem o surrealismo, nem o hiper-realismo, nem a matriz fotográfica resolvem só por si esta problematização do sonho, ou do pesadelo, que nos deixa sós de olhos abertos sobre uma realidade interior, sem tempo. Há silêncios feitos de ausência, horizontes de infinitude, materiais sem alma aparente vistos à lupa, rostos que se nos escapam, o senhor do boné que procura algo que está fora do quadro e a criança que esconde o seu olhar do animal imenso que (não) está lá. Na série dedicada ao vinho, espécie de uma vitalidade mitologicamente meridional ou de velhas ritualidades do sagrado, os símbolos imediatos da sua presença aparecem cruzados com um corpo fraccionado de mulher equivocamente despida/vestida e sem rosto. O pintor sujeita-se ao tema mas não consegue alhear-se da sua visão própria, intensa, violenta (a palavra sai-me, não posso evitá-la).

03RogrioTimteo

“Viajante do tempo”, 130 x 215 cm, mármore s/ metal de Rogério Timóteo

Rogério Timóteo é o artista que protagoniza a terceira das exposições temporárias, constituída por um conjunto de esculturas e desenhos. Nas primeiras apresenta o cruzamento de materiais fortemente contrastantes: o ferro e o mármore; o Norte e o Sul de uma geografia dos sentidos; a vulnerabilidade da carne frente a tudo aquilo que lhe é exterior; o sangue e a técnica; o grito humano de encontro à funcionalidade do mundo. A fragilidade e a audácia do corpo encontram-se metaforicamente em evidência como elos de uma cadeia de tensões, colocados no ponto crucial de expansões energéticas: o desejo do voo, a proa do navio, as soluções de continuidade entre colunas assimétricas, a dor e o sacrifício. Os desenhos distribuem-se por dois ciclos, um mais formalista outro mais tumultuoso, mas ambos bem articulados com as peças restantes. É especialmente bem escolhida a forma de acabamento e cobertura das obras com resina acrílica, o que confere uma vibração lumínica que complementa bem a sóbria austeridade da técnica de registo. Embora cada uma destas três exposições denote uma forte personalidade, é de acentuar que cada uma delas pode coexistir com as restantes, dadas as qualidades arquitectónicas dos espaços onde são inseridas e a forma como este foi administrado pela organização das mesmas.