foi publicado no Diário de Coimbra em Março de 2008
Já perdi a conta às versões oferecidas do reinado de Henrique VIII e da sua dramática sequência matrimonial. Filmes, livros, documentários, artigos publicados aqui e ali referem as duas esposas que foram repudiadas, as outras duas decapitadas, a que morreu por doença e outra que acabou por sobreviver. Nalguns casos uma infinidades de factos históricos complicadíssimos apaga-se perante os ingredientes passionalmente tempestuosos desses seis casamentos reais. Isto para não falar do inumerável cortejo de amantes, parte dos privilégios banais dos todo-poderosos, cuja conduta estava (e continua a estar…) “naturalmente” isenta das normas aplicáveis às pessoas “vulgares”.
O filme actualmente em cartaz que retoma esse tema ficará, julgo eu, como um superlativo na tendência de isolar a narrativa de toda e qualquer “intromissão” de historicidade. O espectáculo é muito bonitinho e bem configurado, as roupagens são espampanantes e os dentes das actrizes luzidiamente brancos como nunca os houve no sec. XVI. A história é reduzida às peripécias de uma família dirigida por cavalheiros decididamente oportunistas, no intento de usarem as graças de uma filha julgada suficientemente capitosa para seduzir um partido rico, rei de Inglaterra nem mais nem menos, embora sendo este legitimamente casado com Catarina de Aragão, filha dos Reis Católicos. A coisa complica-se devido a certas ocorrências e acaba por ser uma irmã casada, virtuosa e cheia de bom coração, que acaba por ir parar à cama do rei, mau grado o esposo desconsolado de que nunca mais se ouviu falar.
A primeira irmã candidata ao real concubinato não desiste e evidencia uma tenacidade fora do comum e um não menos elaborado sentido estratégico. O rei, de cabeça perdida, não pensa noutra coisa senão em conquistar os seus favores íntimos. Isto sem a mais leve alusão aos debates teológico-diplomáticos, à destruição de monumentos, às sublevações esmagadas, às torturas e a tantas outras violências que atribuem ao reinado de Henrique VIII mais de setenta mil condenações à morte, entre os quais a de Sir Thomas More, “A Man for All Seasons”!…
A realização é anglo-americana e, no dizer de um crítico inglês, parece destinada a adolescentes americanos que não sabem sequer em que ponto do mapa fica a Inglaterra. A escolha das protagonistas não foi nada bem aceite na Grã-Bretanha porque nem são, nem parecem inglesas e ainda por cima falam com sotaque estrangeiro.
As melhores actuações referidas e que salvam a nota geralmente medíocre dos protagonistas, são as do pai e da mãe das irmãs Bolena. O papel reservado ao actor que desempenha a figura do rei é completamente insignificante e o elegante actor escolhido não tem nada do volumoso corpanzil de Henrique VIII.
Ao ver este filme vêm à memória uma enorme quantidade de realizações britânicas de excelentes filmes históricos que fazem saudades e, para um filme cujas atenções estão centradas em peripécias de alcova, à parte meia dúzia de alusões “soft core”, está apesar disso muito longe de ser um filme erótico.