Azulejos de Ferreira da Silva no IPO de Coimbra

Foto de minha autoria dos painéis exteriores de Ferreira da Silva no IPO/Coimbra

Foto de minha autoria dos painéis exteriores de Ferreira da Silva no IPO/Coimbra

Publicado Diário de Coimbra 26 de Outubro de 2004

Falando com uma senhora dos quadros do IPO de Coimbra que se referia de modo sensibilizado aos trabalhos de Ferreira da Silva que ali se encontram como parte do património artístico da instituição, ouço algo que alude com especial importância aos mecanismos de percepção e entendimento das obras de arte em geral:
“…A primeira vez que vi aqueles painéis de azulejos, senti-me perturbada. Ultrapassavam a minha capacidade de entendê-los com aqueles cavalos enormes de vultos decompostos; as manchas inextricáveis; a acumulação de sinais!… Um dia alguém lhes fez umas fotografias destinadas a um interessante trabalho gráfico, e essa atitude analítica, distante do compromisso da visão conjunta, foi a porta que se abriu para uma leitura, primeiro da riqueza cromática, depois do imenso universo de vestígios simbólicos. No dia a dia, cada entrada e cada saída me iam revelando um aspecto novo, uma nova faceta. Até que dei comigo, na abundância de valores plásticos, a gostar de tudo, a perceber a totalidade das forças presentes, os detalhes como detalhes e as grandes figuras como interlocutores principais, no seu poder de animar percepções mais além do real, mais perto da ideia, do símbolo!…”

O amor, esse momento principal da atitude criativa

Não vou elaborar sobre este encadeado de observações mais do que o leitor pode e estou certo que sabe fazê-lo. O enredo das nossas percepções não depende apenas do acumulado de noções sobre esta ou aquela realidade. Os afectos; o querer gostar; o achamento das entradas por onde passe a aragem dum entendimento produtivo das coisas; o amor afinal que é, como sabemos, um acto deliberado da consciência valorativa.
Passando o observador uma e outra vez defronte do importante edifício do IPO, ficam-lhe os olhos suspensos no tropel de cores e de formas dos painéis de azulejos que ali estão. Se entrar no edifício, e oxalá não seja por motivo de doença, outros sinais verá da presença artística da obra de Ferreira da Silva, mestre das artes do fogo que para os lados de Caldas da Rainha reside e exerce o seu mister de artista frequentador duma enorme diversidade de disciplinas das artes visuais: da pintura à gravura, da multiplicidade de abordagens da arte cerâmica à escultura, à arte do vidro, etc.
Na área de Pombal da A1, à vista de todos, ali se encontra um painel de estrutura decorativa muito expressiva e cheia de alegria comunicante.
Na Quinta do Pinheiro, em Valado dos Frades, Nazaré, é toda uma multifacetada intervenção que o artista desenvolveu e que contempla os mais variados aspectos da visualidade do empreendimento turístico ali situado. Quanto ao labor que tem desenvolvido nas Caldas da Rainha e sobre uma continuidade de trabalhos de arte que se estende por decénios e se tem espalhado por todo o mundo fica por dizer o essencial, falha que procurarei aliviar, resumidamente por certo, em próximas “conversas”.

FS-p

Azulejos de Ferreira da Silva no IPO / Coimbra, fotografia e tratamento de imagem de minha autoria

A presença da arte lenitivo e estímulo para quem ama a vida

Em evidência nos azulejos do IPO encontra-se abundantemente explicitada a enorme familiaridade que o artista desenvolveu nas suas profundas incursões pelas artes do fogo em geral e pela linguagem da decoração azulejar em particular. Como autor de projectos Ferreira da Silva efectua em cada obra uma espécie de mergulho de corpo inteiro, fazendo com que a atitude da concepção não se detenha no momento inicial. Até ao último gesto de aplicação de pigmentos, até ao acto de montagem de cada quadrilátero cerâmico e se preciso for em gestos de composição final fora da própria sequência previsível de associação das peças, ali encontramos uma surpresa, uma decisão inventada que desafia o espectador e o coloca perante as mais sugestivas variantes da expressão plástica que o azulejo oferece.

A materialização da luz, preocupação central do artista

Quanto à pintura sobre azulejos propriamente dita, não se esgotam os recursos de novidade e encantamento. Uma técnica dominada pelo experimentalismo confere ao simples quadrilátero cerâmico a categoria duma peça em relevo, cujos pigmentos borbulham e ressaltam numa inquietação que a cozedura impôs, modulando as cores muito para além da monotonia de lisura de certa azulejaria vulgar. A utilização de processos de execução automática, ou máscaras, abre em negativo imagens que noutros locais se apresentam em positivo, e inúmeras variantes decorativas de fundo aparecem muitas vezes seccionadas por sinais de uma gestualidade resoluta e inesperada. Fissuras e vibrações de todo o tipo acrescentam a casualidade que só obras com vários séculos de idade podem oferecer ao apreciador inveterado. Bem fizeram os dirigentes e responsáveis do Instituto Português de Oncologia Francisco Gentil de Coimbra, ao terem adquirido os diversos trabalhos de Ferreira da Silva, ali presentes. Além duma atitude de bom gosto, foi de certeza um acto destinado a estimular a inteligência vital e a capacidade de encarar cada momento de vida com o mesmo desígnio intencionado de encontrar a luz que a obra de Ferreira da Silva tão coerentemente persegue.

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